Por que eleger mulheres?

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*Por Ana Luiza Pessanha, Graziella Testa, Helena Arruda e Maria Oaquim

As eleições municipais estão próximas e nós cariocas devemos escolher quem serão nossos representantes para os próximos quatro anos. Nessa escolha, muitos fatores são relevantes. Quais são as pautas principais que meu candidato defende? Elas são relevantes? Suas propostas são embasadas em evidências e há dinheiro para financiá-las? Meu candidato é qualificado para o cargo? Ele é ficha-limpa?

E se eu encontro alguém que é alinhado ao que acredito para minha cidade, mas ele não é um candidato e sim uma candidata? Se eu ainda não conheço uma candidata mulher, que tal fazer um esforço para buscar uma que atende os critérios que eu acredito serem necessários para uma boa vereadora? Por que eu deveria me preocupar com a representatividade de gênero na política? Afinal, por que eleger mulheres?

O que afasta as mulheres da política?

A baixa participação de mulheres na política é um fenômeno global. A despeito de algumas raras exceções, as mulheres ainda se encontram bem distantes de alcançar igualdade no meio político. No Brasil, onde a população feminina corresponde a 51,8% [1] e pouco mais da metade do eleitorado [2], a situação é especialmente crítica. Segundo dados do ranking mensal do Inter Parliamentary Union (IPU) [3], que classifica mais de 190 países em relação ao percentual de mulheres eleitas, o Brasil ocupa a 141° posição. Posiciona-se assim atrás de países como a Arábia Saudita (111° colocada), último país do mundo a permitir o sufrágio feminino, há apenas 5 anos. Esse quadro suscita diversos questionamentos, dentro os quais, podemos destacar: O que afasta as mulheres da política?

Inúmeros trabalhos buscam respostas para essa questão. Em primeiro lugar, devemos considerar que tanto regras eleitorais como as particularidades culturais de cada país são relevantes quando se pensa nas dinâmicas de escolha de candidatos [4]. Sob outro aspecto, as consequências de entrar para a política podem estar desempenhando um papel importante na hora de afastar as mulheres. Estudos apontam que quando uma mulher é promovida para cargos altos na política, a probabilidade de que ela se divorcie aumenta consideravelmente embora o mesmo não seja observado no casamento de homens quando são eles os eleitos [5]. As evidências apontam que homens, em geral, preferem mulheres menos dedicadas a suas carreiras e que ganham salários menores que eles. Assim, mulheres podem se sentir desincentivadas a buscarem posições de poder se acreditam que isso afetaria seu relacionamento amoroso.Para além disso, há uma série de evidências que mulheres tendem a competir menos que homens [6], principalmente em sociedades patriarcais [7]. Tal característica, por sua vez, tende a se inverter em sociedades onde as mulheres carregam o status de chefe de família, indicando que a competitividade é um fator diretamente ligado a padrões sociais de gênero.

Ainda nessa linha, mulheres também apresentam níveis mais baixos de ambição política quando comparadas a homens que possuem características pessoais e profissionais similares. [8] Dois fatores são apontados como as principais razões para essa diferença: menor probabilidade de serem incentivadas a concorrerem nas eleições, e menor probabilidade de se auto considerarem qualificadas para assumirem o cargo político. Para além dessa evidência, não podemos desconsiderar o efeito do machismo dos eleitores na preferência por votarem em homens [9]. Apresentamos a seguir argumentos sobre por que eleger mulheres e quais são os maiores desafios no nosso país para alcançarmos um maior número de mulheres eleitas.

Quais são os obstáculos para termos mais mulheres candidatas e eleitas no Brasil?

As soluções institucionais propostas em termos de incentivos começaram com cotas de candidaturas. Mais recentemente, em 2018, vieram as decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinaram que os partidos destinem o mínimo de 30% do total dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial para o financiamento de candidaturas de mulheres. Em 2020, esse percentual de candidaturas de mulheres vai valer também para os cargos em Diretórios Nacionais, Regionais e Municipais de partidos políticos. O que temos observado é um movimento inteiramente vindo do Judiciário, sem grande papel do Legislativo ou dos partidos políticos.

A pesquisa Perfil da Mulher na Política, feita pelo Projeto Me Farei Ouvir com mulheres de todos os estados brasileiros, constatou que 76% das entrevistadas acredita que a relutância dos partidos políticos em dar espaço para as mulheres dificulta muito a entrada de mais mulheres na política. E aqui chegamos ao cerne do problema.

Recentemente venceu o prazo para o registro de candidaturas para vereador(a) e prefeito(a) e, como observaram Coury e Floriano, a proporção de candidaturas permaneceu nos 33%, mesma proporção de 2016. Essa tendência de estagnação indica que o incentivo imposto pelo Judiciário parece ter chegado ao seu limite. Se uma proporção dos recursos eleitorais dos partidos deve ser destinada às mulheres, é preciso ir além: as organizações internas de mulheres devem fazer a gestão desses recursos.

A questão da gestão dos recursos funciona de forma diferente nos diferentes partidos e é pouco regulamentada com o objetivo de respeitar a autonomia partidária. No entanto, quando tornamos os partidos uma caixa preta, menor tende a ser a credibilidade e legitimidade dessas instituições.

Na Suécia, sob ameaça da formação de um partido feminino, a proposta de cotas partiu de um movimento voluntário articulado pelos partidos políticos. Isto é, ao contrário do modelo argentino, por exemplo, na Suécia não houve uma imposição legal, mas uma percepção por parte dos próprios partidos de que a situação de baixa participação feminina estava insustentável (isso no início dos anos 1990).

No Brasil, a sociedade civil já tem articulações importantes nesse sentido. Podemos citar A Tenda, Instituto Alziras, Elas no Poder, Vote Nelas, Me Representa, Goianas na Urna, Impulsa Voto, Vote Nelas. Estas organizações cumprem papéis desde realização de pesquisa para constatar a situação do problema, passando por advocacy até formação política para mulheres. Vale observar que os partidos políticos recebem recursos públicos e são legalmente obrigados a destinar ao menos 20% desses recursos para Fundações Partidárias que deveriam executar funções de pesquisa e formação, inclusive de mulheres. Recomendamos fortemente que o(a) leitor(a) procure esses projetos nas redes sociais para conhecer mulheres que estão se candidatando nas eleições de 2020.

Por que ter mais mulheres na política?

Por que é necessário ter mais mulheres na política? Quais as vantagens para a sociedade como um todo? Podemos responder essa pergunta por duas vias distintas, mas interligadas: (i) distinção entre políticas públicas implementadas por homens e por mulheres e (ii) distinção entre a qualidade de governos exercidos por mulheres comparativamente a governos exercidos por homens.

No que se refere ao primeiro ponto, têm crescido o número de evidências causais [10] sobre o efeito de ter mais mulheres eleitas nos tipos de política pública que são implementadas. Um estudo na Índia [11] concluiu que mulheres governantes se importam mais com políticas de saneamento e infraestrutura do que os políticos homens, e tal diferença se deve exclusivamente pelo gênero e não por questões como inexperiência política das mulheres, menor conhecimento ou menor preocupação com reeleição. Em relação às evidências para o Brasil, o estudo [12] de eleições municipais em que houve disputa acirrada concluiu que municípios que tiveram uma mulher eleita apresentam maior porcentagem de consulta pré-natal e menor porcentagem de nascimentos prematuros.

Em relação à qualidade dos governos das mulheres eleitas, um estudo na Itália [13] analisou o efeito de cotas de gênero e concluiu que tal política esteve associada a um aumento da qualidade dos políticos eleitos. O resultado encontrado se deu tanto pelo aumento do número de mulheres eleitas, que são na média mais escolarizadas do que os homens, como também pela redução do número de homens de baixa escolaridade eleitos, mesmo levando em consideração diferenças em ideologia política (“esquerda x direita”). Uma outra evidência [14]  mostra como mulheres eleitas após a política de cotas na Suíça “expulsaram” da política homens pouco qualificados. Mais especificamente, os autores observaram que a competência das mulheres eleitas pós implementação da política de cotas se manteve constante enquanto a competência dos homens aumentou significativamente. Em relação ao Brasil, os resultados de Brollo e Troiano (2012) também indicam que prefeitas têm menor probabilidade de se envolver em atividades corruptas do que prefeitos.

De modo geral, existe uma série de evidências indicando que ter mais mulheres na política contribui positivamente para a implementação de políticas públicas de caráter social e econômico, principalmente em países em desenvolvimento (as evidências para países desenvolvidos vão muitas vezes na direção de não haver diferença de gênero nas políticas públicas implementadas).

Como está a cidade do Rio de Janeiro nesta questão?

Como podemos ver pelo gráfico abaixo, apesar do percentual de mulheres candidatas a vereadora ser de 30% (o mínimo exigido pela política de cotas), o percentual de mulheres eleitas é muito mais baixo. Para o ano de 2016, somente 15% dos vereadores eleitos foram mulheres, representando queda em relação aos anos anteriores. Contudo, quando observamos o padrão específico de alguns municípios do Estado do Rio, vemos que padrão de queda similar não foi observado para os municípios de Duque de Caxias e Belford Roxo.

O nosso objetivo com esse texto é trazer para o(a) leitor(a) a importância de elegermos mais mulheres. Para além de uma preocupação com aumentar a diversidade, muitas evidências sugerem que países em desenvolvimento podem se beneficiar muito da maior participação feminina na política, principalmente em relação a políticas sociais. Eleger mulheres beneficia todos os cidadãos, homens e mulheres. Se você, após ler esse texto, reconheceu a importância de eleger mulheres, por que não utilizar o seu voto para viabilizar a eleição de uma candidatura feminina? A responsabilidade pelo rumo que nossa cidade toma é de todos nós.


Ana Luiza Pessanha é economista pela UFRJ e Vice-Presidente da Iniciativa RioMais

Maria Oaquim é economista pela PUC-Rio e membro da Iniciativa RioMais

Graziella Testa é doutora em ciência política pela USP e professora da FGV-EPPG

Helena Arruda é graduanda em economia pela PUC-Rio


* As opiniões expressas neste texto são de exclusiva responsabilidade do autor.
** Foto de Divulgação: 
Colab Blog

Notas de Rodapé

[1] Dados da PNAD 2019

[2] Dados TSE

[3] Situação observada em 1° de Julho de 2020  https://data.ipu.org/women-ranking?month=7&year=2020

[4] Krook, 2010

[5] Folke e Rickne (2016)

[6] Niederle and Vesterlund (2007)

[7] Gneezy, Leonard, and List (2009)

[8] Fox e Lowless (2004)

[9] Frechette, Maniquet, and Morelli (2008)

[10] Se você não sabe o que isso significa, leia primeiro o texto https://riomais.org/o-que-e-politica-publica-baseada-em-evidencia/

[11] Esther Duflo e Chattopadhyay (2004)

[12] Brollo e Troiano (2012)

[13] Baltrunaite, Bello, Casarico e Profeta (2014)

[14] Besley, Folke, Persson, and Rickne (2017)