Crime e Juventude: o que pode ser feito no Rio de Janeiro?

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*Por Eduarda Schmidt e Maria Clara Soares, membros da Liga de Políticas Públicas da PUC-Rio

  1. CRIME NA ADOLESCÊNCIA, SEGUNDO A CIÊNCIA

    Uma das explicações para a grande concentração do crime entre jovens é a existência de um pico de violência e agressividade durante a transição da infância para adolescência. Diversas evidências, como o relatório da Corporación Andina de Fomento (2014), apontam que a maioria dos crimes são cometidos por jovens. Piquero, Farrington e Blumstein (2007) e Blokland e Nieuwbeerta (2009) concluíram que a entrada em atividades criminosas se dá durante a fase dos 8 aos 14 anos, atingindo um pico na adolescência, entre os 15 e 19 anos. Já o abandono da criminalidade se dá, em média, entre 20 e 29 anos, o que pode ser explicado neurológica e psicologicamente. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) (Beck [TV1] , 2011) mostra que uma das principais razões para o comportamento violento dos jovens tem origem em questões biológicas, sociais e cognitivas (Observatorio del Delito, 2010), que resultam atitudes impulsivas nessa faixa etária (Reyna e Farley, 2006).

  2. UM PANORAMA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    Os dados para o Rio de Janeiro apresentados no relatório de Juventude e Crime, do Instituto de Segurança Pública, corroboram as evidências apresentadas acima: 52,4% das autuações em flagrante ocorridas no Estado entre 2010 e 2014 foram direcionadas a jovens entre 15 e 24 anos e atingem um pico de ocorrência aos 17 anos, tendendo a reduzir com o aumento da idade. Os dados permitem também estabelecer alguns padrões por faixa etária, tais como os tipos de crimes cometidos, a velocidade de renitência e a tendência de cometer atos infracionais
    desacompanhados.

    Em relação à renitência – definida juridicamente como pessoas que são pegas em flagrante mais de uma vez- dentre todos os 20.076 autuados no estado do Rio de Janeiro ano de 2010, 7.157 renitiram até o final de 2014, representando uma taxa de 34,6%. Analisando-se a distribuição da renitência por faixa etária, há um pico entre os 16 e 17 anos, com taxa de 35%, enquanto entre 18
    e 19 anos a taxa é de 27%. Em média, um adolescente de 16-17 anos volta a ser autuado 16 meses depois, enquanto jovens na faixa dos 18-19 demoram 20 meses.

    Por mais que o pico de violência seja ultrapassado durante a fase dos 20 anos, as consequências de ter cometido atividade criminal na adolescência continuam a impactar o indivíduo durante a idade adulta, por exemplo, dificultando o acesso ao mercado de trabalho devido ao seu histórico criminal (Finlay, 2008). Diante disso, é importante pensar em políticas públicas que ajam ex-ante, no sentido de prevenir a entrada de jovens na atividade criminal mais do que discutir a possibilidade de uma redução da maioridade penal, cujas evidências já indicaram ser uma medida que reduz a probabilidade do jovem terminar o ensino médio, além de aumentar a probabilidade dele cometer crimes na fase adulta (Aizer & Doyle, 2015).

    Ainda, analisando o contexto do Rio de Janeiro, [TV2] nota-se que a maioridade penal por si só não induz uma redução da atividade criminal: 7,6% do total das autuações em flagrante ocorridas no estado entre 2010 e 2014 foram direcionadas a adolescentes de 17 anos, ao mesmo tempo que 6,8% foram direcionadas a jovens de 18 anos, representando uma diferença de apenas 0,8%.[TV3]

  3. POLÍTICAS PÚBLICAS: O QUE, DE FATO, FUNCIONA?

    Ao se discutir intervenções com foco em prevenção ao crime na juventude, dois tipos de abordagens¹ são mais comuns: programas de treinamento e emprego para jovens ou policiamento ostensivo – opção historicamente escolhida no estado do Rio de Janeiro, onde, somente no ano de 2017, 174 crianças e jovens morreram em decorrência de intervenções policiais (Dossiê da Criança e do Adolescente, 2018). Entretanto, uma literatura mais recente vem apresentando uma nova
    abordagem que busca mitigar crime e violência durante a adolescência através da terapia cognitivo-comportamental. O que as evidências indicam é que esse tipo de abordagem não apenas parece ser mais eficiente, como também pode ser uma opção relativamente mais barata, por se tratar de uma política de curta duração e que é focalizada em homens jovens de baixa renda.

    O foco principal de programas sociais que utilizam a terapia cognitivo-comportamental é alterar a maneira com que adolescentes tomam decisões, fazendo com que eles passem a refletir com mais cuidado antes de realizar qualquer tipo ação. Para isso, utiliza-se de atividades simples que desenvolvem autocontrole, habilidades sociais e inteligência emocional [TV5] . Um exemplo bem-sucedido desse tipo de política foi o Becoming a Man, programa aplicado em escolas de Chicago tendo como base a psicologia da automaticidade (Heller et al., 2017)- uma teoria segundo a qual todos os seres humanos têm a tendência de desenvolver respostas automáticas que condizem com o ambiente no qual se está inserido. Isso faz com que adolescentes que vivem em regiões com altos índices de violência tendam a reagir agressivamente a qualquer tipo de situação na qual se sentem confrontados.

    Um tipo de atividade realizada com os participantes do Becoming a Man consistiu em dar um objeto para um jovem e pedir para que algum colega o pegasse para si, o que, para muitos dos participantes, foi feito por meio da força. Em seguida, um orientador conversava com os adolescentes e demonstrava que simplesmente ter pedido o objeto para o colega teria funcionado.
  1. EVIDÊNCIAS

    A avaliação do Becoming a Man apontou que, em comparação aos alunos que não tiveram acesso à terapia-cognitivo comportamental, houve redução do número de prisões por aluno e redução do comportamento violento dos participantes – efeitos que perduraram durante um ano após o final do programa – além de aumento na probabilidade do aluno participante terminar o ensino médio no tempo certo. Ainda, pesquisadores da avaliação conduziram testes com os
    participantes, os quais demonstraram que o programa foi, de fato, capaz de gerar mudanças comportamentais, pois os participantes passaram a levar mais tempo para tomar decisões ao invés e agir de forma automática, como faziam previamente.

    Há mais duas avaliações de intervenções similares (JPAL, 2017) que também apresentaram resultados positivos: detentos que participaram um programa de TCC realizado em centros de detenção temporária de jovens, também em Chicago, tornaram-se menos propensos a serem
    readmitidos dentro de um período de 2 meses – efeito que perdurou durante 1 ano e meio após o fim do programa – além de uma intervenção realizada na Libéria, que combinou um programa de
    terapia cognitivo-comportamental com um programa de transferência de renda para homens jovens e obteve resultados similares aos do Becoming a Man.

    Vale ainda ressaltar que experiência avaliada na Libéria é um caso interessante de ser explorado. Ambas as experiências com programas de TCC realizadas em Chicago foram implementadas em instituições pré-existentes, como escola e centro de detenção de jovens, dois
    ambientes nos quais há mais facilidade de se atingir o público-alvo do programa. Em contrapartida, a intervenção na Libéria foi conduzida por uma ONG local que, através de suas conexões e de sua forte reputação com líderes comunitários, conseguiu, de forma bastante efetiva, identificar o público de interesse e atraí-lo a participar do programa.

  2. APLICAÇÃO NO RIO DE JANEIRO

    O Rio de Janeiro historicamente adota políticas de combate ao crime pautadas na repreensão, como é o caso do policiamento ostensivo. No entanto, novas abordagens de política pública já foram avaliadas e também se mostram possíveis. Nesse sentido, é importante explorar outros tipos de políticas de combate ao crime e à violência, principalmente aquelas que ajam no sentido de prevenir a entrada de jovens na criminalidade.

    Apesar de programas de terapia cognitiva-comportamental já terem sido avaliados em outros contextos e terem se mostrado eficazes e custo-efetivos, isoladamente, eles não são suficientes. Os problemas do Rio de Janeiro referentes à violência e à criminalidade são extensos e exigem mudanças que sejam capazes de atacar as desigualdades estruturais que levam os indivíduos à atividade criminal.

Idealizada na PUC-Rio e focada na realidade brasileira, a Liga de Políticas Públicas da PUC-Rio visa o estudo e a discussão das boas práticas políticas. É também parceira da Iniciativa RioMais.


* As opiniões expressas neste texto são de exclusiva responsabilidade do autor. ** Foto de Divulgação: Ari Spada/Unsplash

Notas de Rodapé
[1]https://www.povertyactionlab.org/sites/default/files/Day1_Part2_CaseStudy.pdf

Referências Bibliográficas

Aizer, A., & Doyle Jr, J. J. (2015). Juvenile incarceration, human capital, and
future crime: Evidence from randomly assigned judges. The Quarterly Journal of Economics, 130(2), 759-803.

BECK, J. S. (2011). “Cognitive Therapy: Basics and Beyond”. The Guilford Press.

Blokland, A. A. J. e Nieuwbeerta, P. (2009). “Life Course Criminology”.
International Handbook of Criminology, p. 51-92.

BRASIL (1990). “Estatuto da criança e do adolescente”. Lei nº .069/1990.
Presidência da República, Casa Civil.

Caballero, B. (2016). JUVENTUDE E CRIME.

Corporación Andina de Fomento (2014). “Por una América Latina más segura: Una nueva perspectiva para prevenir y controlar el delito”.

Dossiê criança e adolescente: 2018. Org: Flávia Vastano Manso e Luciano de Lima Gonçalves. Rio de Janeiro: Instituto de Segurança Pública, RioSegurança, 2018.

FALCONI, Romeu (1998). Sistema Presidial: Reinserção Social? São Paulo:
Ícone.

Finlay, K. (2008). “Effect of employer access to criminal history data on the labor market outcomes of ex-offenders and non-offenders”. National Bureau of Economic Research. Working Paper 13935.

Heller, S. B., Shah, A. K.,Guryan, J., Ludwig, J., Mullainathan, S., Pollack, H. A. (2015). “Thinking, Fast and Slow? Some Field Experiments to Reduce Crime and Dropout in Chicago”. National Bureau of Economic Research. Working Paper 21178.

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Cambridge, MA: Abdul Latif Jameel Poverty Action Lab.
Morse, B. “Case Study: Cognitive Behavioral Therapy in Liberia”. J-PAL
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Observatorio del Delito (2010). “Niños, niñas y adolescentes: víctimas y
victimarios”. Dirección de Investigación Criminal e INTERPOL.
Piquero, A. R., Farrington, D. P., Blumstein, A. (2007). “Key Issues in Criminal

Career Research: New Analyses of the Cambridge Study in Delinquent
Development”. Cambridge University Press.

Reyna, V., Farley, F. (2006). “Risk and rationality in adolescent decision
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Science in the Public Interest, 7(1), p. 1-44.