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É possível implantar o “Governo Aberto” na cidade do Rio de Janeiro?

*Por Tatiana Bastos

Antes de enfrentar a questão, precisamos entender o que é “Governo Aberto” e quais os benefícios da adoção desse conceito. Segundo a Open Government Partnership – OGP¹, o termo “Governo Aberto” é uma nova visão da administração pública, uma vez que se define sob quatro princípios: transparência; prestação de contas e responsabilização; participação cidadão; e tecnologia e inovação.

Para cumprir com os requisitos de transparência, as informações sobre as atividades de governo deverão ser abertas, compreensíveis, tempestivas, livremente acessíveis e cumprindo ao padrão básico de dados abertos.
Quanto à prestação de contas e responsabilização do agente (accountability), o ente deverá possui regras e mecanismos que estabeleçam procedimentos de responsabilização e monitoramento eficientes.

A participação cidadã é medida, segundo a Controladoria-Geral da União², pela ação do governo de mobilizar a sociedade para debater, colaborar e propor contribuições que levem a um governo mais efetivo e responsivo.

Por fim, o princípio de tecnologia e inovação decorre do reconhecimento pelo governo da importância das novas tecnologias no fomento à inovação e da necessidade de ampliar a capacidade da sociedade de utilizá-las.

Para fazer parte da Open Government Partnership – OGP³ e implantar o conceito de Governo Aberto, os países participantes devem endossar os quatro princípios acima referidos e apresentar um Plano de Ação Nacional, comprometendo-se a adotar medidas concretas para o fortalecimento da transparência das informações e atos governamentais, combate à corrupção, fomento à participação cidadã, gestão dos recursos públicos, integridade nos setores público e privado, entre outros objetivos.

Desde a sua fundação em 2011, a OGP está presente em 78 países e 20 localidades, equivalentes a cidades, que trabalham com a sociedade civil na implantação do Governo Aberto. A cada dois anos, cada membro define um plano de ação criado necessariamente em conjunto com a sociedade civil e estabelece metas concretas para o aumento da transparência, prestação de contas e participação da sociedade no governo.

No Brasil, apenas dois entes federativos implantaram políticas de Governo Aberto, conforme definido pela OGP. A União implantou a Política Nacional de Governo Aberto através do decreto de 15 de setembro de 2011 e está no acompanhamento dos compromissos do 4º Plano de Ação. Já a cidade de São Paulo implantou a São Paulo Aberta através do Decreto municipal nº 54.794/2014 e está no acompanhamento dos compromissos do 2º Plano de Ação.

O 4º Plano de Ação da União, por exemplo, enfrenta temas como “transparência fundiária”, “transparência no processo legislativo”, “inovação e Governo Aberto na ciência”. Um ponto importante na metodologia da OGP é a base internacional do acompanhamento das metas e a participação permanente da sociedade, que, frequentemente, impulsionam o cumprimento local de compromissos de maior desgaste político.

E A CIDADE DO RIO DE JANEIRO?

O ponto central para o início da implantação do Governo Aberto é a adesão do poder executivo aos princípios da OGP. Cabe ao chefe do poder executivo avaliar se é possível ou até mesmo interessante ao ente federativo o fortalecimento da transparência das informações e atos governamentais, o combate à corrupção, o fomento à participação cidadã, a gestão dos recursos públicos, a integridade nos setores público e privado, dentre outros temas.

análise da situação atual do rio

Como uma forma de contribuir para a avaliação e implantação do Governo Aberto na cidade do Rio de Janeiro, passaremos a analisar algumas iniciativas já implantadas na Cidade Maravilhosa, com foco nos quatro princípios da OGP: (1) transparência; (2) prestação de Contas e Responsabilização; (3) participação cidadão; e (4) tecnologia e inovação.
No que tange à transparência de receitas e despesas em tempo real do executivo, o portal contas.rio⁴ marca um golaço. Pela plataforma, é possível pesquisar por “favorecido” (razão social ou CNPJ), “órgão”, “programa de governo”, “fundamento de despesa”, “ objeto”, dentre outras formas, tudo atualizado com dados do dia anterior e disponível em dados abertos.

Em tempos de COVID-19, a Controladoria-Geral do Município disponibilizou, em um curto espaço de tempo, um painel em “Power BI” para o acompanhamento mais atrativo e visual das compras emergenciais. Mas, antes, já disponibilizada essa ferramenta para visualização das despesas com “diárias” e “despesas gerais”.

Como proposta de melhoria à transparência ativa, temos três pontos importantíssimos que precisam ser urgentemente observados: o primeiro é a disponibilização dos termos e contratos jurídicos na íntegra, sem necessidade de requisição e cumprindo o que determina a Lei de Acesso à Informação; o segundo é a melhoria do detalhamento do objeto dos contratos, uma vez que a falta de padronização é um grande limitador de acompanhamento da sociedade; e o terceiro é a necessidade de utilização de uma linguagem mais acessível e atrativa ao público em geral.

No que concerne à prestação de contas e responsabilização, há um abismo de informação tanto no que se refere à prestação de contas, como no que se refere à responsabilização dos agentes. A prefeitura do Rio de Janeiro, através do decreto 45.385/18, instituiu o Sistema de Integridade Pública Responsável e Transparente – Integridade Carioca e definiu onze eixos temáticos de atuação de grande envergadura. Infelizmente, não é possível identificar sua aplicação na prática de todos os órgãos e entidades municipais.

Em análise das informações no site oficial da prefeitura, observamos que nenhuma das secretarias disponibiliza a prestação de contas anual ou preenche integralmente aos requisitos determinados pelo Sistema Integridade Carioca. Além disso, muitas sequer cumprem com a obrigação de publicar a carta de serviços, conforme determina a Lei 13.460/17. Ou seja, não é possível acompanhar as metas e prioridades estabelecidas nos normativos orçamentários (Plano Plurianual – PPA; Lei de Diretrizes Orçamentárias –LDO e Lei de Orçamentária Anual – LOA) de todas as secretarias, uma vez que os resultados não estão disponíveis.

Por exemplo, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro estabeleceu como meta para o ano de 2019 a implantação de prontuário eletrônico de fácil manuseio, integrado e padronizado em 68% da Rede de Saúde⁵. Já para o ano de 2020, a meta é chegar a 100% da Rede⁶. A integração do prontuário eletrônico permitirá um acompanhamento do paciente de forma mais eficiente, uma vez que o histórico de tratamento e exames estarão disponíveis ao profissional de saúde do SUS, da mesma forma que trará também um fortalecimento de proteção desses dados. A meta foi atingida em 2019? Não sabemos. Quando não há transparência no atingimento ou não das metas estabelecidas, não é possível cobrar a efetividade do planejamento.

No que se refere à responsabilização do agente, não há dados disponíveis quanto aos inquéritos, sindicância ou ações das corregedorias. Segundo o Sistema Integrado de Codificacão Institucional – SICI⁷ da prefeitura do Rio, há apenas quatro corregedorias implantadas: uma na guarda municipal; uma na Procuradoria-Geral do Município (PGM); uma na Controladoria-Geral do Município (CGM); e uma na Secretaria de Transportes. Se há punição de agentes públicos em qualquer dos níveis, não há como acompanhar. A sensação de impunidade pode ser tão nefasta quanto a própria corrupção.

Em relação à tecnologia e informação, a prefeitura do Rio de Janeiro possui diversos Sistemas Internos de controle de maior ou menor grau de interação. Nos últimos anos, houve um grande investimento na simplificação de licenciamentos de serviços e registro de solicitações pelo cidadão. Apesar desses esforços, é possível afirmar que grande parte da estrutura do executivo ainda trabalha de forma analógica, seja por ausência do processo eletrônico, seja por ausência de reformulação de normativos que exigem a presença física do cidadão.

Especificamente em relação ao processo eletrônico, talvez esse seja um dos maiores entraves na eficiência da administração. Não se trata de digitalizar papel de processo administrativo, mas de realizar gestão dos dados inseridos. Uma vez que a eficiência da inteligência artificial ou cruzamento de banco de dados necessita de informação na forma digital.

Por fim, no nosso ponto de vista, a participação cidadã na cidade do Rio de Janeiro é episódica e não uma política pública estimulada. Temos exemplos na administração de sua valorização, como na Controladoria-Geral do Município ou na Secretaria de Cultura, mas certamente não é a regra. Um exemplo episódico foi a construção do planejamento estratégico da cidade do Rio de Janeiro (2017/2020), que contou com reuniões abertas e recebimento de contribuições on line. Dessa experiência, só resta a lembrança. Não temos notícias sobre o acompanhamento das metas e nem dos resultados.

Conclusão

Como visto, haverá um grande esforço da cidade do Rio de Janeiro para a implantação do Governo Aberto. Entretanto, sair da zona de conforto analógica e fechada na própria administração é uma oportunidade para desenvolver uma gestão mais eficiente e democrática.

Apenas a título de reforço argumentativo, desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis integra o objetivo de desenvolvimento sustentável (ODS nº 16) da Organização das Nações Unidas (ONU), assim como garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis.

Por todos os benefícios trazidos pela implantação do Governo Aberto, defendemos que os candidatos a prefeito da cidade do Rio de Janeiro devem enfrentar o tema e se comprometer efetivamente (ou não, mas de forma declarada) com o objetivo de tornar a administração pública municipal mais transparente, participativa, responsiva, tecnológica e inovadora.

Sendo o compromisso do chefe do executivo certamente o primeiro passo necessário para a implantação da metodologia para o Governo Aberto na cidade carioca.



Tatiana Bastos é advogada e presidente do Instituto de Direito Coletivo – IDC.



* As opiniões expressas neste texto são de exclusiva responsabilidade do autor.
** Foto de Divulgação: Agence Olloweb/Unsplash

Notas de Rodapé
[1] Open Government Partnership – OGP é uma entidade não governamental, formada por representantes de governos e da sociedade com o objetivo de promover uma governança pública responsável, responsiva e inclusiva.
[2] Ver < https://governoaberto.cgu.gov.br/governo-aberto-no-brasil/o-que-e-governo-aberto> Acessado em 11/04/2020.
[3] Ver < https://www.opengovpartnership.org/about/> Acessado em 11/04/2020.
[4] Ver <http://www.rio.rj.gov.br/web/contasrio> Acessado em 12/04/2020.
[5] Ver <http://www.camara.rj.gov.br/controle_atividade_parlamentar.php?m1=legislacao&m2=leg_municipal&m3=leiord&url=http://mail.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/contlei.nsf/50ad008247b8f030032579ea0073d588/a2c82f8197a01f74832582d4005aa336?OpenDocument> Acessado em 12/04/2020.
[6] Ver <http://www.camara.rj.gov.br/controle_atividade_parlamentar.php?m1=legislacao&m2=leg_municipal&m3=leiord&url=http://mail.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/contlei.nsf/7cb7d306c2b748cb0325796000610ad8/c517254d3ea4c2ba83258440006dad41?OpenDocument> Acessado em 12/04/2020.
[7] Ver < http://sici.rio.rj.gov.br/PAG/principal.aspx>. Acessado em 12/04/2020.