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A Revolução da Energia Solar nas Favelas do Rio

*Por Eduardo Ávila

A Revolusolar está constituindo, em 2020, a primeira cooperativa de energia solar em uma favela do Brasil. O modelo de geração compartilhada, representado pela cooperativa, além de ser mais viável técnica e economicamente do que o modelo de instalações individuais, também harmoniza com as tradições de coletividade, cooperação e autogestão das favelas cariocas. O projeto piloto será a instalação de uma usina no telhado da Associação de Moradores da Babilônia. A energia gerada será compartilhada por cerca de 30 famílias das comunidades da Babilônia e Chapéu Mangueira, que terão as suas  contas de luz reduzidas.

FIGURA 1 – A primeira cooperativa solar em uma favela do Brasil

O público alvo do projeto será o segmento de moradores da favela que paga pela energia de forma regular. Esse segmento é significativo. O imaginário comum relativo à energia em favelas é aquele em que toda a população está conectada a conexões clandestinas (“gatos”). Uma pesquisa de campo da Revolusolar na favela da Babilônia mostra, no entanto, que essa concepção é equivocada. A maior parte da população local paga caro para a distribuidora pela energia regularizada que consome. Destes consumidores, apenas 17% são beneficiados pela Tarifa Social de Energia Elétrica. [1]

O projeto prevê pagamentos mensais por parte dos cooperados. Esses pagamentos representarão uma parcela das economias nas suas contas de luz. Esses recursos irão compor um Fundo Comunitário destinado a remunerar os trabalhadores locais que atuam no projeto – instaladores solares, eletricistas, embaixadores e professoras -, além de financiar a expansão das instalações solares na comunidade.

A Energia Convencional é cara

O Brasil tem a quinta energia mais cara do mundo, segundo pesquisa da FIRJAN em 2017. No Rio, a tarifa cobrada das residências subiu 106% na última década (O Globo, 2019), muito acima da inflação no período. A tarifa residencial é superior àquela cobrada do setor comercial e industrial, e a população de baixa renda não contemplada com a Tarifa Social paga o mesmo preço cobrado das classes média e alta, uma realidade que evidencia o forte impacto que as contas de energia representam no orçamento familiar das comunidades mais pobres.

Segundo pesquisa da Revolusolar, 80% dos consumidores regularizados na Babilônia têm dificuldades de arcar com as despesas com energia. Ademais, há uma grande insatisfação da comunidade com relação ao serviço técnico prestado pela distribuidora na região: as quedas de luz são mais frequentes e duradouras do que em outras áreas da cidade, e o atendimento técnico é ainda mais demorado. A empresa alega que os funcionários têm dificuldade de acesso à comunidade, tornando a assistência técnica mais complexa.

A Energia solar é barata

Se a energia convencional tem ficado cada vez mais cara nos últimos anos, a solar segue caminho oposto. Segundo estudo de mercado da Bloomberg New Energy Finance (2019), os custos dos equipamentos de energia solar fotovoltaica caíram 85% na última década.

Desde 2013, a GD (geração distribuída) [2] solar fotovoltaica cresceu a uma taxa média de 230% ao ano no Brasil, segundo dados divulgados pela ABSOLAR (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica). Pesquisa recente da Comerc mostra que a região metropolitana do Rio é o local mais vantajoso do Brasil para instalação solar. Esse potencial é ilustrado na liderança isolada do município no ranking nacional divulgado pela ABSOLAR em julho de 2020.

Recentemente, percebendo esse potencial, a prefeitura do Rio desenvolveu, em parceria com instituições do setor energético, o Mapa Solar do Rio de Janeiro. Esse estudo, que faz o mapeamento do potencial de geração dos telhados cariocas, pode estimular a adoção de energia solar em residências e comércios na cidade. A iniciativa se integra nos esforços do programa Rio Capital de Energia, cujo objetivo é mobilizar a sociedade e promover o debate sobre o uso de fontes renováveis, a fim de tornar o Rio referência em inovação tecnológica, eficiência energética e sustentabilidade ambiental. 

FIGURA 2 – Região das favelas da Babilônia e Chapéu Mangueira excluídas do Mapa Solar

Essa iniciativa, no entanto, não incluiu as favelas. Esses territórios, apesar da característica urbana favorável à geração solar, foram tratados como se não fossem parte da cidade. Artigo recente dos pesquisadores Paulo Feitosa (engenheiro voluntário da Revolusolar), Alberto Jorge Silva de Lima e Henrique Cukierman critica essa exclusão e argumenta que essas ausências reforçam efeitos de invisibilidade das favelas. Ao procurar pelas favelas no Mapa Solar, o que se encontra é uma área de sombra, como se na favela não tivesse sol. Esse tipo de ação contribui para a construção de uma imagem da favela como um espaço diferente pela falta, pela penumbra. 

O POTENCIAL É MAIOR QUE A NECESSIDADE

As favelas ocupam enormes áreas no Rio de Janeiro e possuem grande potencial de geração elétrica a partir de fonte solar, principalmente por ser um dos poucos lugares da cidade onde os domicílios são representados em sua maioria por edificações unifamiliares, e não por prédios multifamiliares verticalizados. Segundo estimativas da Revolusolar, o potencial técnico de geração de energia solar nos telhados da favela da Babilônia (2,6 GWh/ano) é suficiente para atender a demanda energética de toda a comunidade (2,4 GWh/ano).

FIGURA 3 – Painéis solares em favelas do Rio de Janeiro

A fonte solar fotovoltaica, além de ser mais barata, também é líder em geração de empregos locais de qualidade. Dados da Agência Internacional de Energias Renováveis mostram que a solar lidera a estatística de novos empregos entre as fontes renováveis. No Brasil, segundo a ABSOLAR, foram gerados 41 mil novos postos no setor entre janeiro e junho de 2020, mesmo durante a pandemia. Outro estudo da ABSOLAR estima que o setor de energia solar fotovoltaica pode gerar cerca de 670 mil empregos no país até 2035. Uma pesquisa do Dr. Andrew Chamberlain nos EUA mostra ainda que os empregos deste setor tendem a pagar mais do que a média de salários da economia.

Em 2015, líderes mundiais dos 193 Estados-membros que compõe a Organização das Nações Unidas (ONU) se reuniram e chegaram a um acordo que definiu 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas a serem alcançadas pela humanidade até 2030. Esta agenda ficou conhecida como Agenda 2030, que dá continuidade aos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (estabelecidos em 2000 para 2015), e reflete novos desafios debatidos na Rio+20 (Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável realizada em 2012 no Rio de Janeiro).

Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos” é um dos ODS. Em uma cidade desigual como o Rio de Janeiro, onde 1/4 da população mora em favelas, com infraestrutura inadequada e um serviço de energia inacessível, ainda há um longo caminho pela frente para alcançarmos esse objetivo.

A correlação entre o consumo de energia elétrica e o Índice de Desenvolvimento Humano [3] (IDH), evidenciada no gráfico abaixo, é particularmente relevante para o Brasil, que encontra-se em um estágio de desenvolvimento onde um pequeno aumento de consumo de eletricidade tem um significativo impacto no desenvolvimento.

GRÁFICO 1 – Correlação entre Índice de Desenvolvimento Humano e consumo de eletricidade anual per capita (em MWh)

Fonte: Energy Information Administration, 2017

O trabalho da Revolusolar busca dar visibilidade para as favelas, evidenciando que lá também tem sol e luz para iluminar a cidade. Nossa visão para o Rio de 2030 compreende as favelas como pólos de geração de energia limpa para a cidade, para que, enfim, alcancemos o objetivo de fornecer energia sustentável e acessível para todos. O Rio tem todos os recursos para assumir o protagonismo na transição energética global e a liderança na geração de energias renováveis. Como diz Dinei Medina, liderança comunitária da Babilônia e embaixador da Revolusolar, “as soluções para a cidade do Rio virão das favelas”.

Convido o leitor a acompanhar essa Revolução Solar, que está apenas começando nas favelas do Rio!



Eduardo Ávila é economista pela UFRJ, diretor executivo da Revolusolar e finalista do prêmio global da ONU “Jovens Campeões na Terra”



* As opiniões expressas neste texto são de exclusiva responsabilidade do autor.
** Foto de Divulgação: Revolusolar

Notas de Rodapé
[1] A Tarifa Social de Energia é um programa de descontos do Governo Federal para a população de baixa renda. Uma pequena parte da favela tem acesso ao benefício, no entanto, dadas as dificuldades de registro e a rigidez dos critérios de elegibilidade.
[2] Geração de energia elétrica no local de consumo ou próximo a ele, geralmente feita através de painéis solares instalados nos telhados.
[3] O cálculo do IDH é efetuado a partir de três aspectos principais de uma população: renda, educação e saúde.