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O papel das políticas públicas voltadas para a cultura para o desenvolvimento do município

*Por Ana Cristina Bloquiau

Intitulada como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO em 2012 e declarada pela mesma entidade como a primeira Capital Mundial de Arquitetura em 2020, o Rio de Janeiro ainda se destaca como uma das mais importantes capitais do mundo apesar das adversidades que vêm ocorrendo nos últimos anos.

E a despeito de toda essa degradação resultante do abandono dos poderes públicos, o Rio permanece sendo a porta de entrada do Brasil não apenas pela sua beleza natural e suas paisagens deslumbrantes: capital do Império, berço da Bossa Nova, cidade do samba, do baile funk e de múltiplas manifestações artísticas, a sua pluralidade é um trunfo que poucas cidades do mundo têm. Com todo seu peso histórico e sua enorme diversidade cultural, não dá pra restringir o Rio apenas como um balneário.

A cidade que já sediou grandes eventos esportivos e culturais de relevância  mundial tais como os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, duas Copas do Mundo, os Jogos Pan-Americanos assim como grandes festivais de música e outros eventos de grande expressividade como a Eco-92. O Rio receberia este ano o Congresso Mundial de Arquitetos, transferido para 2021 em virtude da crise sanitária do COVID-19.

Além disso, a cidade conta com um significativo número de equipamentos culturais [1] dentre os quais 14 bibliotecas, 4 museus, 4 arenas, 3 areninhas, 7 lonas culturais, 14 centros culturais e 12 teatros que são de responsabilidade da prefeitura. Isso sem mencionar os espaços privados distribuídos em todo o município.

O Rio de Janeiro é uma cidade dotada de uma população altamente criativa, talentosa e que sabe fazer muito com poucos recursos. Não à toa muitas das manifestações culturais que aqui surgem viram tendência em todo o país. É inevitável dizer que, apesar de todos os percalços e de todo processo de deterioração que vem sofrendo, o Rio ainda é uma vitrine.

Uma outra vantagem que o Rio possui é o clima. Além de contar com uma natureza esplêndida, seu clima permitiria a realização de um calendário de eventos o ano inteiro, não se limitando apenas a eventos sazonais como Carnaval e Réveillon.

Dito isso, nos cabe uma pergunta: considerando todo esse capital cultural o qual a cidade é dotada, por que o Rio não investe na maximização desses ativos?

A resposta está no fato da cultura carregar consigo o estigma de atividade não-produtiva. Embora o setor gere renda e emprego – além de gerar externalidades positivas para a sociedade – as políticas públicas de cultura são frequentemente negligenciadas pelos poderes públicos, independente da esfera governamental. O mesmo ocorre no Rio.

É possível observar nos últimos anos que a política cultural do Rio de Janeiro vem sendo conduzida em função do apreço que o gestor público tem pelo tema. Isso explica a razão da descontinuidade de determinados programas de cultura, mesmo quando bem-sucedidos.

A falta de compreensão da cultura como algo relevante por parte dos gestores impacta diretamente no orçamento da pasta – que vem decrescendo progressivamente não só no Rio como também nas três esferas governamentais.

Ao ignorar variáveis como o peso econômico do setor, sua empregabilidade e os impactos diretos e indiretos decorrentes de suas atividades em outros setores da economia (como o de serviços e o de turismo), os gestores públicos não são capazes de avaliar o custo de oportunidade de não investir neste segmento.

É importante mencionar que os ganhos que a cidade pode obter ao desenvolver uma política pública de cultura séria e contínua não se restringe ao campo econômico. O retorno sobre o investimento no setor de cultura pode ser quantitativo mas os ganhos qualitativos são incomensuráveis. A transversalidade da cultura com outras áreas como educação, saúde e segurança pública faz dela um ativo de valor inestimável.

Sendo assim, uma política pública de cultura deve ser pensada com compromisso de longo prazo. Evidentemente que sem recursos pouco se faz, que editais de fomento são necessários mas o cenário de crise exige mudança no debate em prol de algo maior. É imprescindível o estabelecimento de missões para a concretização de uma política de cultura e isso naturalmente contemplará modos de financiamento.

No âmbito da demanda, é preciso que o poder público desenvolva uma política de democratização de acesso aos bens culturais. A ideia é ampliar junto à população a noção de patrimônio e igualmente suscitar o sentimento de pertencimento e respeito pela cidade. Nesta perspectiva, a cultura exerce um papel educativo. Para que isto seja possível, a realização de um trabalho de mediação se faz necessária. Vale ressaltar que esse trabalho igualmente fomenta a formação de público para as diversas atividades culturais presentes na cidade.

Não menos importante é a recuperação e o aproveitamento dos espaços já existentes. Embora a prefeitura conte com 58 equipamentos culturais, nem todos estão abertos e outros demandam reparos em suas estruturas. Os mesmos podem (e devem) ser utilizados para a implementação de programas de criação e de difusão artística.

No que tange à oferta, uma política cultural bem-sucedida é aquela que potencializa as redes da Economia Criativa, fortalece seus atores e impulsiona territórios.

A capacitação dos profissionais que atuam no setor é também uma iniciativa interessante. Uma grande parte deles aprende seu ofício através de suas experiências em campo. Oferecer a estes profissionais a oportunidade de aumentar seu capital humano lhes aufere maior autonomia e eficiência na realização de seus trabalhos.

A nomeação de pessoas comprovadamente qualificadas para cargos da pasta de cultura e para a gestão dos equipamentos se revela como um imperativo para o desenvolvimento do setor. É preciso descontruir na sociedade o pensamento de que o assunto “cultura” pode ser tratado por qualquer pessoa. A atribuição de cargos importantes a pessoas não qualificadas não só gera ruídos entre os profissionais da área como também gera ineficiência, dado que frequentemente esses agentes desconhecem as reais demandas do campo – que são bastante complexas dada a heterogeneidade dos bens culturais e dos respectivos modelos econômicos.

Diante do exposto, verificamos que ao negligenciar uma política cultural o Rio de Janeiro não apenas renuncia a um potencial ganho econômico como também social. É preciso que a cultura seja compreendida como um ativo da cidade e, mais do que isso, um vetor de desenvolvimento.


Ana Cristina Bloquiau é economista pela PUC-Rio, especialista em Bens Culturais, Cultura, Economia e Gestão pela FGV-Rio e mestranda em Gestion des Organisations Culturelles pela Universidade Paris Dauphine (Paris/França). Percorreu também carreira artística como cantora, compositora e pianista, tendo lançado o álbum autoral “Acaso”.


* As opiniões expressas neste texto são de exclusiva responsabilidade do autor.
** Foto de Divulgação: 
Robert Keane/Unsplash

Notas de Rodapé

[1] Equipamento cultural: todo local onde se realiza uma atividade de cunho cultural (exemplos: bibliotecas, museus, salas de espetáculo, teatros, arenas, centros culturais, lonas culturais, etc.).