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A importância das micro e pequenas empresas para a cidade do Rio de Janeiro

*Por Juliana Oliveira

As micro e pequenas empresas (MPEs) são fundamentais para o desenvolvimento econômico inclusivo. Prova disso é a introdução do segmento nos chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), apresentados pela Assembleia Geral da ONU, em 2015, como parte de sua Agenda 2030 para a erradicação da pobreza no mundo. Entre os 17 objetivos enumerados, o de número 8, referente ao “Trabalho Decente e Crescimento Econômico”, designou como meta “promover políticas orientadas para o desenvolvimento que apoiem as atividades produtivas, geração de emprego decente, empreendedorismo, criatividade e inovação; e incentivar a formalização e o crescimento das micro, pequenas e médias empresas, inclusive por meio do acesso a serviços financeiros” (PNUD, 2021).

O que são as micro e pequenas empresas?

Há pouco consenso entre países e organizações internacionais sobre a definição das MPEs. Apesar dos critérios de enquadramento mais utilizados serem o número de empregados ou a receita bruta (faturamento) anual, MPEs podem significar empresas com até 20 funcionários, como é o caso na Tanzânia, até empresas com 300 funcionários, como no Vietnam (Gibson & Vaart, 2008). A despeito das dificuldades geradas pela falta de padronização, incluindo a realização de estudos comparativos e programas de empréstimo por órgãos multilaterais, muitos pesquisadores e formuladores de políticas públicas argumentam que uma universalização completa do conceito é indesejada dado a particularidade de cada economia, além de fatores culturais e políticos envolvidos na decisão (Kushnir, 2010).

No Brasil, ambos os critérios são utilizados. Enquanto a Receita Federal define o porte da empresa baseado em seu faturamento anual, para fins de tributação, o número de empregados é mais comumente utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e em alguns estudos do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) (Carvalho et al, 2018). A tabela abaixo resume os dois critérios.

PorteDefinição – Receita FederalDefinição- IBGE
Microempreendedor individual (MEI)
Até R$ 81.000,00 de faturamento anual e apenas 1 empregado
Microempresa
(ME)
Mais que R$ 81.000,00 e menos que R$ 360.000,00 de faturamento anual
Comércio e serviços: Até 9 empregados;
Indústria: Até 19 empregados
Empresa de pequeno porte (EPP)
Mais que R$ 360.000,00 e menos que R$ 4.800.000,00 de faturamento anual
Comércio e serviços: Entre 10 e 49 empregados;
Indústria: Entre 20 e 99 empregados
Fonte: Receita Federal e IBGE

Qual a importância das micro e pequenas empresas para cidades como o Rio de Janeiro?

As MPEs são responsáveis pela maior parte da atividade econômica dos países e de seus centros urbanos. Na cidade do Rio de Janeiro, o segmento representa 90% das empresas formais (a vasta maioria concentrada nos setores de serviço e comércio, com alta heterogeneidade em suas atividades), sendo 62% enquadradas como MEI [1]. No total, o segmento emprega 46% dos trabalhadores. [2] Destes, 42% são pardos ou pretos autodeclarados, 45% são mulheres e apenas 15% possuem nível superior. Também é importante considerar a expressividade da população ocupada que trabalha na informalidade, representada por donos de negócio autônomos sem Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) ou empregados sem carteira assinada. No estado, antes do início da pandemia do novo coronavírus, a informalidade no total de ocupados girava em torno de 38%, um pouco abaixo da média nacional de 41% [3].

O segmento das MPEs é considerado por governos e agências de desenvolvimento como um pilar fundamental para o objetivo duplo de crescimento econômico e alívio da pobreza. Estudos mostram que, apesar de trabalhadores “por conta própria” e microempresas com apenas alguns funcionários serem menos propensos a crescer e criar empregos em resposta à intervenções de governo (Cravo & Piza, 2016), eles são extremamente importantes na garantia da renda de milhões de famílias em países de baixa e média renda, como o Brasil. De fato, uma parcela substancial das pessoas que vivem em condição de pobreza opta por iniciar um negócio ao invés de procurar emprego devido a fatores como falta de qualificação e discriminações estruturais no mercado de trabalho (Banerjee & Duflo, 2007). Pequenas empresas, por sua vez, criam, na média, mais postos de trabalho por unidade de investimento, em virtude do seu uso intensivo de mão-de-obra [4]. Além disso, muitos dos empregos criados exigem, na média, uma menor qualificação, o que também beneficia os mais pobres (Ayyagari et al, 2014).

Em termos de política social, o apoio às MPEs é indispensável no combate às múltiplas dimensões da exclusão e baixa mobilidade de renda. Como mencionado, devido às discriminações estruturais no mercado de trabalho, como aquelas contra mulheres, pretos e minorias religiosas, ter um negócio é frequentemente considerado o único meio de subsistência. Além disso, MPEs são consideradas as “espinhas dorsais” de suas comunidades em razão da provisão de serviço local, sendo especialmente importantes para a população que vive em favelas, periferias e áreas não-urbanas (Blackburn & Ram, 2006).

Dado o papel vital do segmento, faz-se necessário entender quais são as características das empresas que contribuem de forma mais efetiva para o desenvolvimento. Sob o ponto de vista de mercados formais e informais, evidências demonstram que, apesar do contingente de empresas informais representar uma grande parte da atividade econômica em países de baixa e média renda, sua contribuição é muitas vezes insustentável ou subótima em virtude das inúmeras barreiras associadas à existência “no escuro”, como a obtenção de crédito. Para o governo, a ausência de CNPJ significa o pagamento indevido de impostos, gerando alta evasão fiscal e baixa fiscalização por parte da prefeitura. Já para os trabalhadores sem vínculos empregatícios, estes encontram-se desprovidos de garantias trabalhistas básicas previstas em lei, como 13º salário e férias remuneradas, além da proteção previdenciária e outros benefícios do sistema de seguridade social brasileiro (Corseuil et al, 2014). MPEs formais, por outro lado, são mais benéficas para a economia e sociedade como um todo. Na média, estas firmas são administradas por gerentes mais bem qualificados e, como consequência, usam mais capital, possuem uma clientela maior, comercializam seus produtos de forma mais efetiva e fazem maior uso de financiamento externo  (La Porta & Shleifer, 2008).

Isso relaciona-se à uma discussão igualmente importante no campo do empreendedorismo que distingue empreendedores movidos por oportunidade (opportunity entrepreneurship) e por necessidade (necessity entrepreneurship). O empreendedorismo de oportunidade ocorre quando indivíduos decidem iniciar uma empresa com base na percepção de uma oportunidade única ou subexplorada de negócio (Acs, 2006). Pesquisas demonstram que estas firmas investem relativamente mais em capital humano, inovação e conhecimento, gerando grandes benefícios para a comunidade dado o seu alto potencial de crescimento (Baumol et al, 2007). Em contrapartida, o empreendedorismo de necessidade relaciona-se aos negócios que são criados como estratégias de sobrevivência.  Estes, por sua vez, possuem uma mão-de-obra menos qualificada e produtiva, são menos inovadores e menos propensos a crescer e criar empregos como resposta (Amin, 2010).

Dado esta distinção, especialistas em fomento ao setor privado advertem sobre a relação não necessariamente positiva entre os níveis de empreendedorismo e desenvolvimento econômico, medidos pela taxa de nascimento de novas empresas e a renda por pessoa da população, respectivamente (Wennekers et al, 2005). A ideia é que, em níveis mais baixos de renda, a taxa de novas empresas seria alta devido ao empreendedorismo por necessidade e setor informal expressivo. No entanto, na medida em que a população fosse enriquecendo, seria relativamente menos vantajoso recorrer a esta estratégia quando comparada à procura de vagas formais no mercado de trabalho. A partir de certo nível de desenvolvimento econômico, com a oferta de mão-de-obra mais bem qualificada e melhores níveis de competição, por exemplo, a taxa de nascimento de empresas voltaria a crescer, desta vez motivada por boas oportunidades de negócio e ancorada pela inovação.

Isto é o que a teoria econômica diz e dados empíricos parecem corroborar. Mas como chegar nesta situação e quais políticas públicas implementar? De modo geral, o apoio ao empreendedorismo e ao segmento das MPEs deve ir além do simples incentivo à criação de novas empresas ou a sobrevivência das existentes, por si só. Para que este segmento possa gerar maiores retornos não somente para seus donos e funcionários, mas fornecedores, consumidores e toda a comunidade à que servem, em parte depende da melhoria de sua performance, especialmente da produtividade de sua mão-de-obra (Okumu & Buyinza, 2018).

Como apoiar as micro e pequenas empresas cariocas?

Os estudos sobre as barreiras que impedem o crescimento das MPEs em países de baixa e média renda concentram-se não apenas nos mercados de atuação destas empresas ou na motivação para serem criadas, mas também nas qualificações, habilidades e experiências profissionais dos empreendedores, no acesso ao financiamento e à rede de contatos, no ambiente de negócios, entre outros entraves (Nichter & Goldmark, 2009).

No que tange às políticas públicas de suporte ao segmento, estas são divididas em duas estratégias principais (Cravo & Piza, 2016). A primeira diz respeito a estratégias indiretas que visam melhorar o ambiente institucional e regulatório, geralmente no formato de programas de simplificação tributária. Esta abordagem concentra-se em diminuir os custos associados à saída da informalidade, amenizando, assim, as restrições de crédito. O segundo conjunto de políticas é caracterizado por um suporte direto do governo, visando relaxar barreiras específicas, como a falta de mão-de-obra qualificada. O objetivo é gerar um “grande empurrão” que permita às empresas melhorarem suas perspectivas de lucro, geração de emprego e produtividade. Estas estratégias incluem a) financiamento e linhas de crédito subsidiadas, b) treinamentos para trabalhadores e outras assistências técnicas, c) apoio à sistemas produtivos locais (com a criação de “clusters”, por exemplo, aumentando a cooperação interempresarial e diminuindo problemas de coordenação), d) incentivos à inovação (incluindo a melhoria de processos e difusão de tecnologia), e e) melhoria no acesso à mercados externos e na capacidade de exportação.

Ainda em relação às políticas de apoio direto, países em desenvolvimento parecem ter, historicamente, concentrado grande parte de seus esforços em intervenções de suporte financeiro às MPEs (Karlan et al, 2015). Mais recentemente, no entanto, uma maior atenção tem sido dada à outra forma de capital: o “capital gerencial” (managerial capital) destas empresas. Em outras palavras, o conhecimento e habilidades em gestão de negócios dos donos e gerentes comerciais, incluindo em gestão financeira e de pessoas (Bruhn & Zia, 2011). Este interesse em identificar formas alternativas de fomentar o crescimento das MPEs tem sido acompanhado por um novo foco em programas de capacitação e consultorias subsidiadas, como é o caso do programa SEBRAE na Sua Empresa [5], que visa diagnosticar e a melhorar a qualidade de gestão dos pequenos negócios em todo o Brasil. Ainda que haja a necessidade de mais avaliações de impacto para investigar a efetividade destas intervenções no curto, médio e longo prazo, as evidências produzidas até o momento sugerem que elas têm o potencial de melhorar a gestão, confiança e performance das micro e pequenas empresas (Bruhn et al, 2018).

O desafio à frente

Como visto, as políticas públicas de apoio às MPEs são fundamentais dado a importância do segmento para o desenvolvimento econômico inclusivo. O que se observa, todavia, é que ainda há um espaço muito grande para a experimentação por meio de programas piloto e avaliação do custo-benefício de cada estratégia individual. Desta forma, os planos de governo para a cidade do Rio de Janeiro muito se beneficiariam de uma maior troca de conhecimento entre a prefeitura e instituições produtoras de conhecimento e pesquisas locais, como universidades, o SEBRAE-RJ, o Instituto Pereira Passos (IPP) e o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS).

A atual crise de saúde pública gerada pela pandemia do novo coronavírus e seus efeitos imediatos na população e economia carioca mostram-se devastadores, especialmente para setores de grande participação no PIB da cidade, como o turismo e a economia criativa (SEBRAE, 2021). Agora, mais do que nunca, é necessário que os esforços da prefeitura se concentrem no suporte aos pequenos negócios, não somente para preservar a alma do Rio de Janeiro, sua cultura de rua e estabelecimentos históricos, mas todos os seus trabalhadores, especialmente os mais vulneráveis.


Juliana Oliveira é mestre em Políticas Públicas e Sociais pela LSE (London School of Economics) e bacharel em Economia pela PUC-Rio. Atualmente, trabalha como Assistente de Pesquisa no Centre for Economic Performance da LSE, na área de crescimento econômico. Já estagiou no Escritório do Secretário-Geral da ONU, em Nova York, e em consultorias de gestão e estratégia no Brasil, com foco em administração pública.


*As opiniões expressas neste texto são de exclusiva responsabilidade do autor.

** Foto de divulgação: Marvin Meyer / Unsplash

Notas de Rodapé

[1] Dados da Receita Federal em maio de 2020, obtido através do DataSEBRAE.

[2] Dados do Ministério da Economia para 2018, obtido através do DataSEBRAE.

[3] Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD/IBGE) para 2019.

[4] A definição de pequena empresa em Ayyagari et al. (2014) é menos que 20 funcionários.

[5] Mais informações sobre o programa disponíveis no site do SEBRAE.