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Mudança de Normas Sociais e o Combate à Violência Contra a Mulher no Rio de Janeiro (Parte 2/2)

*Por Maria Oaquim e Renata Ávila

normas sociais e violência

Os homens se encontram sobre-representados dentre os perpetradores de violência. Segundo a UNODC (2011), em 2012, 95% dos sentenciados por homicídio, ao redor do mundo, eram homens. Apesar de algumas teorias apontarem correlação entre níveis de testosterona e comportamento violento, as evidências são inconclusivas e insuficientes para explicar as disparidades de gênero (Duke et al, 2014; Fleming et al. 2015). Outros estudos relacionam aspectos da socialização dos homens, como dominância, poder e demonstração de virilidade, à perpetração de violência contra as mulheres. Assim, assédio na rua, no trabalho, violação sexual e violência física seriam formas de intimidação das mulheres e demonstração de poder sobre elas.

É importante pontuar que a masculinidade e a feminilidade não nascem com os indivíduos, mas são conceitos socialmente construídos e, assim, relacionados ao meio e ao momento histórico vivido. Dessa maneira, o gênero é um aspecto fortemente ligado às ações e aos comportamentos dos indivíduos. Para muitos homens serem aceitos pelos seus pares, eles ainda devem seguir uma série de comportamentos compatíveis com o padrão da masculinidade hegemônica como virilidade, falta de expressão de emoções e dominância sobre as mulheres (Fleming 2013).

Para além disso, a estrutura da sociedade ainda estabelece uma relação de poder entre os gêneros que ajuda a perpetuar a violência contra as mulheres. A divisão sexual do trabalho dita um padrão onde o homem cumpre o papel de provedor financeiro da família (também vista como um papel de “chefe” da família) e a mulher é majoritariamente encarregada de cuidar dos filhos e afazeres domésticos. Apesar de avanços na participação do trabalho feminino, no Brasil, segundo dados da PNAD Contínua para 2019, o diferencial de rendimentos entre os gênero na cidade do Rio de Janeiro ainda permanece em patamar de 23% e as mulheres gastam quase que o dobro de horas com tarefas não assalariadas (como cuidar de crianças, idosos e afazeres domésticos). Quando há uma discrepância entre o que se é esperado pelo padrão de masculinidade e quando a relação de dominância masculina e subordinação feminina é ameaçada, modelos teóricos e evidências empíricas sustentam que homens recorrerem à violência para restabelecimento de sua dominância (Macmillan and Gartner, 1999). Como argumentado por Acosta e Barker (2003), a socialização dos homens corrobora com a utilização de agressões verbais ou mesmo físicas caso as mulheres não cumpram com aquilo que lhe é visto como sua obrigação, como cuidar da casa, filhos e prover sexo.

Ademais, normas que enxergam a violência doméstica como um assunto familiar privado – como pode ser ilustrado pelo ditado “em briga de marido e mulher não se mete a colher”- e que justificam o uso da violência para garantia da “honra” dificultam a quebra do ciclo da violência por parentes e vizinhos que testemunharam os atos. Além disso, a condenação moral do divórcio e uma visão bastante difundida em nosso país que as mulheres devem “aguentar situações de adversidade” para preservar sua família influenciam para que a mesma não denuncie ou não se afaste de seu agressor.

Além do respaldo teórico, evidências empíricas apontam que programas que visam à mudança de opiniões e atitudes acerca da igualdade de género, inclusive incluindo os homens nesse processo de transformação, podem reduzir a violência contra a mulher. Apesar de uma quantidade significativa de programas que visam à mudança de normais sociais terem sido implementados, muitos deles carecem de uma avaliação de impacto com metodologia rigorosa. Dois programas implementados sob o padrão de ouro para avaliações com inferência causal, ou seja, seguindo um experimento aleatorizado (Randomized Control Trial, RCT na sigla em inglês) apresentaram resultados positivos com relação a opiniões e atitudes relacionadas à violência contra mulher. Hossain e outros (2014), ao avaliarem um programa de grupo de discussão de homens na Costa do Marfim, encontram uma menor intenção de usar a violência por parte dos homens, melhora na capacidade dos homens de manejar conflitos de maneira não hostil e aumento da participação masculina em tarefas domésticas . Abramsky e outros (2014) avaliam o programa SASA! na África do Sul, que consiste no engajamento de comunidades para prevenção de violência e risco de contrair o HIV. Ao final do programa, os habitantes (tanto homens quanto mulheres) das cidades que receberam a intervenção apresentaram menor aceitabilidade com relação à violência contra uma parceira íntima e maior aceitabilidade quanto à mulher poder recusar ter relações sexuais. Também ocorreu, nas comunidades que receberam o programa, uma queda no número de mulheres relatando ter sofrido violência física e sexual em comparação com as comunidades que não receberam. Além disso, dentre as mulheres que foram vítimas de violência nesses locais, cresceu o número daquelas que relataram ter recebido suporte da comunidade.

VIOLÊNCIA NO RIO DE JANEIRO

A fim de pensar nas políticas públicas necessárias ao combate à violência doméstica no município do Rio de Janeiro é fundamental o entendimento do contexto vivenciado por diversas regiões da cidade. Primeiramente, temos evidências de persistência de opiniões que corroboram com a violência doméstica. Em uma pesquisa realizada em 2009 com homens e mulheres em comunidade de baixa e média renda no Rio de Janeiro, 21% dos homens de comunidade de baixa renda responderam concordar com a frase “há momentos em que uma mulher merece ser violentada”. Em contraste, 8.5% das mulheres em tais comunidades e 5% de homens entrevistados que viviam em locais de renda média concordaram com a afirmação. Surpreendentemente, o número de mulheres em comunidades de renda média que concorda com tal sentença é de 15%. Já quando tal estudo apresentou supostas justificativas para cometer um ato violento contra uma mulher, 37,6% dos homens concordaram com pelo menos uma delas, dentre as quais constava ”se vestir de modo provocante”, não cuidar dos filhos e traição por parte da mulher (Acosta e Barker 2003). Além disso, 36% dos homens e 23.3% das mulheres em comunidades de baixa renda (14% dos homens e 17.5% das mulheres de classe média) dizem concordar que se a mulher não “lutou contra” fisicamente, não se pode afirmar que foi estupro.

Ademais, quando pensamos em políticas para o município, é importante lembrar que muitas regiões da cidade vivem em um contexto de intensa violência urbana. Nesse sentido, a violência vivida nas ruas se associa à violência intrafamiliar: tanto ela influencia na construção de masculinidades, como no uso da força como demonstração de poder. Além disso, a experimentação da violência domiciliar na infância está associada à maior propensão a atividades criminosas no futuro (IMAGES, 2016). Dessa maneira, a construção de novas masculinidades pode contribuir para a construção de uma trajetória não-violenta na vida dos homens.

Pensando Políticas Públicas para o Combate à Violência Doméstica no Rio de Janeiro

A subnotificação de casos de violência doméstica não nos permite ter uma real dimensão das mulheres vitimadas na cidade. Dentre os questionários domiciliares realizados pela pesquisa IMAGES (2016), 46,3% dos homens na região norte e 38,7% na região sul relataram ter cometido violência contra suas parceiras, um percentual demasiado alto, em especial se pensarmos que muitos homens podem não querer relatar que cometeram um crime. Contudo, quando contrastado com a resposta das mulheres, um percentual muito próximo relatou ser vítima de violência na Zona Norte, mas esse percentual de mulheres vitimado foi ainda maior na Zona Sul (51,6%).

Uma pesquisa domiciliar representativa de mulheres cariocas que buscasse mensurar a vitimização e identificar os grupos mais vulneráveis (por região geográfica, faixa etária, nível socioeconômico etc) seria de primeira relevância para melhor focalização e consequente efetividade de certas políticas públicas. Um exemplo de pesquisa com metodologia rigorosa aplicada nas capitais do Nordeste do Brasil é o PCSVDF-Mulher. O questionário aborda, com caráter longitudinal, questões de saúde geral e reprodutiva das mulheres, normas sociais e conhecimentos sobre a Lei Maria da Penha, poder de barganha e experiência de violência (Carvalho e Oliveira, 2018). Além dessa metodologia já aplicada no Brasil, a literatura internacional aponta métodos inovadores para lidar com subnotificação em questionários de violência doméstica, garantindo a anonimidade das vítimas (Field e outros, 2019).

Como já debatido, a experiência internacional nos demonstra que programas envolvendo mudanças de normas sociais na direção de opiniões e atitudes mais igualitárias têm efeitos positivos na redução de violência contra as mulheres. Acreditamos que programas neste âmbito se apresentam como uma lacuna importante no combate brasileiro à violência contra mulher. Os projetos e iniciativas que envolvem mudanças de normas sociais são, em sua maioria, implementados por ONGs e não possuem grande abrangência territorial/populacional. Apesar disso, certos programas trazem metodologias muito interessantes como o Programa H, implementado pela ONG Promundo. O propósito do programa é engajar homens que questionam visões tradicionais de masculinidade em um processo de transformação de opiniões e atitudes de outros homens. Um dos componentes do programa consiste em um currículo de atividades abrangendo discussões sobre violência, saúde mental nos homens, inteligência emocional, comunicação e diálogo, abuso de substância, saúde sexual e reprodutiva e reflexões sobre a socialização de meninos e homens. Essa abordagem inspirou o Ministério da Mulher do Peru a adotar programas similares a nível nacional. As regiões rurais do país estão recebendo uma intervenção a nível comunitário que consiste em sessões de grupo segregadas por gênero a fim de discutir desigualdade entre homens e mulheres, violência doméstica, relações familiares e empoderamento feminino.

Acreditamos que uma melhor identificação dos casos de violência doméstica é o primeiro passo para avaliarmos a eficácia de um programa que vise a reduzi-la. Além disso, advogam por uma avaliação com metodologia adequada, onde, de preferência, poderemos argumentar com mais robustez que os resultados ao final do programa tenham sido consequência daquela política específica. Um exemplo seria o experimento aleatorizado. Nessa configuração, comunidades no município do Rio poderiam ser sorteadas para receber primeiramente certo programa, compondo, assim, um grupo de tratamento e os resultados seriam comparados com as comunidades que receberiam o programa depois (grupo de controle).

Uma das desvantagens de certos experimentos aleatorizados é que eles podem ser custosos, em especial se envolverem presença física de agentes e locação de espaço. Isso não significa que sua custo-efetividade não possa ser alta, em especial se considerarmos que com uma avaliação rigorosa podemos ter maior evidências da efetividade das políticas para um possível aumento de escala. Contudo, outras políticas menos custosas podem ser avaliadas também via um experimento aleatorizado. Cooper e outros (2019) avaliam um RCT em que o tratamento consiste na exibição de vinhetas que abordam a violência contra a mulher durante os intervalos de um festival de cinema na Uganda. As vinhetas apresentam vizinhos e familiares que, cientes de que uma mulher era violentada pelo seu marido, não denunciavam o caso. A vítima acaba com um final trágico. Essa estratégia de edutainment (ou seja, que combina entretenimento e educação) se mostrou efetiva: mulheres em comunidades tratadas (onde as vinhetas foram exibidas) têm probabilidade 11% maior de denunciar casos de violência à polícia em comparação com o grupo de controle.

Uma outra abordagem relacionada à mudança de normas sociais envolve a discussão da igualdade de gênero nas escolas. Dhar e outros (2018) avaliam um experimento na Índia que consiste no debate de tópicos como estereótipos e papéis de gênero, emprego de mulheres e assédio.Essa intervenção ocorreu em turmas de séries equivalentes ao final do Ensino Fundamental II no Brasil. Os resultados da intervenção se mostraram positivos em mudar opiniões sobre igualdade de gêneros e até em mudar atitudes de meninos, como maior participação em tarefas domésticas. A discussão de papéis de gênero entre adolescentes é desejável pois essa faixa etária se apresenta como um momento crítico na formação da identidade e opiniões. Os autores argumentam que eles são jovens para serem suscetíveis a mudanças, mas maduros para poderem fazer uma reflexão crítica sobre temas mais complexos.

Nosso objetivo com esse texto não é trazer uma proposta concreta de política pública a ser implementada, nem defender um método único para avaliação de alguma política. Visamos com esse texto fomentar o debate, baseado nas evidências nacionais e internacionais, sobre a necessidade de uma transformação de normas sociais a fim de combater a violência contra a mulher. Necessitamos urgentemente de mais e melhores dados que nos ajudem a entender melhor o fenômeno da violência doméstica em nosso país e como efetivamente podemos enfrentá-lo. Para além disso, cremos ser essencial que os formuladores de política pública estejam determinados a avaliarem as políticas que eles formulem. Que os próximos 4 anos de governo municipal sejam uma oportunidade para nossa cidade avançar em sentido de maior igualdade de gênero!



Maria Oaquim é membro da Iniciativa RioMais. Mestranda em Economia na PUC-Rio e formada pela mesma universidade. Trabalhou em projetos acadêmicos na área de Economia do Trabalho, Desigualdade de Gênero e Crime e em avaliação de políticas públicas relacionadas à Violência de Gênero.


Renata Ávila é formanda em Economia pela PUC-Rio, com intercâmbio acadêmico na Universidade da Califórnia, Berkeley. Possui experiência profissional em Macroeconomia e como assistente de pesquisa em Economia Política.



* As opiniões expressas neste texto são de exclusiva responsabilidade do autor.
** Foto de Divulgação: Bacia de Campos: Principais Operações/Petrobras

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A Baia de Guanabara em perspectiva: alavanca do desenvolvimento metropolitano

*Por Michel Misse Filho

Enquanto perdura o isolamento social, esporadicamente aparecem vídeos na internet exibindo as águas transparentes de uma baía acostumada à poluição. Apesar da atual diminuição do tráfego de barcos ter sua importância na redução de poluição sonora, especialistas já afirmaram que não se trata, na realidade, de uma efetiva limpeza gerada pela quarentena — os reais fatores são os efeitos do outono [1], o período de seca, as alterações na maré [2] e, no caso de Botafogo, até uma barreira de lixo no centro da baía que a corrente marítima não pode ultrapassar [3]. De qualquer forma, a esperança gerada pelos vídeos deve servir, ao menos, para trazer o tema de volta à tona, vislumbrando uma baía possível, longe do lugar-comum que a coloca como ambiente morto e sua despoluição, portanto, como inexequível.

Sabemos que discutir questões socioambientais no âmbito fluminense é, inevitavelmente, abordar a poluição da Baía de Guanabara. Porta de entrada física e simbólica do Rio para o mundo, ambiente natural e histórico constitutivo da própria gênese da cidade, tornou-se comum, já há anos na opinião pública, a associação quase que intrínseca entre baía e degradação ambiental. O imaginário foi enraizado em décadas de maus-tratos e promessas não cumpridas, e parece também confinar a sonhada despoluição ao rol das impossibilidades.

Já não é novidade apontar os resultados abaixo do esperado do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), assinado há 26 anos. Com gastos acima de U$ 1 bilhão, as estações de tratamento de esgoto seguem operando muito aquém da capacidade total, sem a construção das devidas redes coletoras. A maior parte dos dejetos de milhões de habitantes sequer chega às estações, e transforma-se, assim, no principal passivo ambiental da baía: estima-se que ela recebe, por segundo, cerca de 18 mil litros de esgoto sem tratamento, fora as dezenas de toneladas de resíduos sólidos, chorume e poluição industrial.

UMA TRAJETÓRIA DA POLUIÇÃO

Voltemos algumas décadas na história carioca e compreendamos, contudo, a poluição enquanto processo. Se a baía vem sendo acometida ambientalmente desde o início da colonização — desmatamento e pesca de baleias, por exemplo —, foi em meados do século XX que se começou a sentir, no meio científico, o agravamento dos efeitos da poluição. Pesquisas realizadas pelo Instituto Oswaldo Cruz na Ilha do Pinheiro (hoje aterrada junto à parte do Complexo da Maré) identificavam, ainda em 1957, a repentina transformação ambiental da região nos vinte anos anteriores ⁴. O aumento no fluxo de esgotos domésticos e industriais, aliado aos sucessivos aterros em Manguinhos e na Ilha do Fundão fizeram desaparecer, já naquela época, estrelas do mar, ostras, mariscos, guaiamuns, espécies de camarões e diversos peixes. Constituiu-se assim, na extinta Enseada de Inhaúma, o primeiro polo de elevada poluição da baía.

É também de 1957 a primeira matéria do Jornal O Globo a utilizar o termo “poluição” em alusão às águas da Guanabara, denunciando o desaparecimento de peixes. A inserção desta pauta no noticiário responde, certamente, ao maior interesse da sociedade por questões ambientais naquele momento, mas também manifesta a própria intensificação da poluição hídrica, à medida que indústrias poluidoras — como a Refinaria Duque de Caxias (1961), Bayern do Brasil (1958) e Refinaria de Petróleo de Manguinhos (1954) — chegavam ao Rio e o processo de urbanização se intensificava.

A população carioca crescia vertiginosamente, e segundo Enaldo Cravo Peixoto, diretor do Departamento de Esgotos Sanitários da época, a relação entre o tamanho da rede de esgotos e a população que era, ao final do século XIX, de 1,10m por pessoa, chegava em 1959 com apenas 0,27m [5]. Com o déficit sanitário e o intenso crescimento populacional, as consequentes denúncias ambientais percorrem as décadas seguintes, como mostra o gráfico da relação entre matérias de poluição na baía por década e o aumento populacional da cidade.

GRÁFICO 1 – Matérias de poluição x Aumento da população carioca

Fonte: Acervo Digital do Jornal O Globo; e IBGE, Censo Demográfico 1920, 1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991 e 2000.  

Pesquisando a fundo, é interessante notar que o momento de aclive das notícias (especificamente o verão de 1970) se deu em função de uma controvérsia entre mídia e Poder Público acerca de um surto de hepatite: “Médicos atestam hepatite em praias poluídas”[6], afirmava o jornal, enquanto a antiga Superintendência de Urbanização e Saneamento do Estado da Guanabara (SURSAN) negava prontamente. O fato é que a pauta da poluição da baía ganhou outra dimensão justamente quando a questão da flora e fauna (denúncias sobre desaparecimento de peixes, por exemplo) deu lugar à saúde pública, nova protagonista do debate.

O problema chegava, pela primeira vez de forma contundente, à maior parte da população. Hoje, em pleno século XXI, a situação de municípios periféricos permanece em níveis pré-industriais, com o crescimento populacional da região metropolitana, cuja maior parte — mais de 8 milhões de pessoas — localiza-se na Região Hidrográfica da Baía de Guanabara (RHBG). Com exceção de Niterói, todas as cidades que compõem a bacia drenante da baía têm defasados sistemas de esgotamento sanitário, principal desafio do Programa de Saneamento dos Municípios no Entorno da Baía de Guanabara (PSAM), assinado para os Jogos Olímpicos de 2016. Sucessor do velho PDBG, conta com outro financiamento bilionário, obras inacabadas e verbas retidas.

As cidades de Duque de Caxias, Nova Iguaçu e São João de Meriti figuram entre os dez piores índices de tratamento de esgoto do país, segundo o ranking do instituto Trata Brasil1, mas não são as únicas. Há também municípios com dados discrepantes em relação às pesquisas de anos anteriores, e a pouca transparência das informações coexiste com a péssima qualidade dos 143[7] rios e córregos que desaguam na baía, carregando consigo os esgotos de 16 municípios.

GRÁFICO 2 – Tratamento de esgoto por município da RHGB (2018)

Fonte: SNIS – Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento. Ano 2018, disponível em: http://www.snis.gov.br/diagnostico-anual-agua-e-esgotos/diagnostico-dos-servicos-de-agua-e-esgotos-2018

FIGURA 1 – Mapa de qualidade da água da Baía de Guanabara

Fonte: dados do Boletim de Qualidade da Água do Instituto Estadual de Ambiente (INEA). Disponível em: http://psam.maps.arcgis.com/apps/MapSeries/index.html?appid=3eca938e673f4f81a77f9849e76df7fb
BALNEABILIDADES E DESIGUALDADES

Os péssimos indicadores ambientais são conhecidos da sociedade, não sendo preciso acompanhar rotineiramente os boletins de balneabilidade do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), com mais de 30 praias no interior da baía, para saber que a maioria delas está quase sempre imprópria para banho. No entanto, após décadas de intenso noticiário de denúncias ambientais, um curioso fenômeno emerge para o observador, evidenciando um recorte de classe: a população fluminense, no direito de ir à uma praia balneável, partilha de uma percepção estigmatizada das praias da baía, obscurecendo belezas e ambientes que ainda teimam em resistir.

Alguns exemplos: praias como a Moreninha e José Bonifácio, na Ilha de Paquetá (ajudadas geograficamente pela corrente central que renova as águas da baía); Icaraí, Charitas e Adão, em Niterói; e mesmo a praia da Bica, na Ilha do Governador, com todos os seus problemas, ostentam proporcionalmente índices de balneabilidade semelhantes a praias oceânicas de bairros abastados como São Conrado, Pepê (Barra da Tijuca) e, eventualmente, Leblon. A tabela abaixo compara o percentual de boletins de balneabilidade (a proporção de dias próprios para banho sob o total de amostras) das referidas praias, utilizando os dados dos testes realizados pelo INEA.

TABELA 1 – Percentual de boletins próprios para banho em praias oceânicas e da baía

Praias (localização)201920182017201620152014
Barra da Tijuca (Pepê)33%36%46%65%32%51%
São Conrado (nº 220)57%35%29%17%5%19%
Leblon (Afrânio de Melo Franco)44%60%88%61%57%49%
Bica (Henrique Lacombe)*61%35%67%32%0,1%0%
Moreninha66%70%87%75%46%76%
José Bonifácio52%66%85%58%50%61%
Icaraí (Otávio Carneiro)69%68%77%64%75%85%
Charitas (Santa Cândida)52%65%75%43%52%60%
Adão90%89%93%87%95%74%
* Total de boletins emitidos significativamente menor que o de outras praias. Em 2019, por exemplo, foram realizados 18 testes, e a praia da Bica esteve própria em 11.

Exceções da regra devidamente expostas, as informações de balneabilidade comparando baía e praias oceânicas são contrastantes: a Guanabara tem 15 praias que estiveram impróprias em todos os boletins de 2019; já nas praias oceânicas, 16 (contando com a Praia Vermelha) estiveram próprias em mais de 90% dos boletins do ano. Embora não seja o melhor exemplo sanitário, o lançamento (sem tratamento) dos dejetos da Zona Sul após as Ilhas Cagarras pelo emissário submarino de Ipanema garante, ao menos, a boa balneabilidade de parte das praias oceânicas, ajudadas pela ininterrupta troca de água do mar aberto. As praias do recôncavo da baía, sem a mesma sorte, recebem maior carga orgânica e o tempo médio de renovação de 50% das águas da baía é de apenas 12 dias.

O debate sobre balneabilidade é um primeiro ponto crucial, reflexo das variadas condições socioambientais dentro de uma mesma região metropolitana. É mais necessário, ainda, impor ao debate da baía as muitas desigualdades vinculadas à sua poluição, desdobrando o tema para além de uma dimensão ambiental. Não se trata de menosprezar a vital importância da biodiversidade local, em que destacamos negativamente o decrescente número de golfinhos da baía — símbolos do brasão municipal, as centenas de espécimes nos anos 1980 se reduziram a menos de 30 hoje. Ao contrário, a ampliação “para além do ambiental” deve servir justamente à maior sensibilização da sociedade e à necessidade de priorização da pauta pelo Poder Público.

A primeira desigualdade a ser abordada, já introduzida no texto, é clara: as diferenças no acesso ao saneamento básico. Por mais que, no Rio, o drama do saneamento permeie a maior parte da população, é ainda assim notável a discrepância do centro/sul metropolitano para o subúrbio carioca, Baixada Fluminense e São Gonçalo, evidente no mapa abaixo.

FIGURA 2 – Mapa da rede de esgotamento geral do entorno da baía (em azul)

Fonte: Estudo Regional de Saneamento da Baixada Fluminense – ERSB 2013. Disponível em: http://psam.maps.arcgis.com/

O mapa metropolitano de saneamento fluminense está espelhado, por sua vez, em indicadores sociais e econômicos. A usual análise que trata de uma metrópole dividida entre os bairros ao sul (Zona Sul, Barra da Tijuca e parte de Niterói) e as periferias, também poderia ser interpretada como a cidade “oceânica” e a cidade “da baía”: quanto mais próximo ao fundo da baía, piores são os indicadores socioeconômicos, como mostra, abaixo, o mapa do Índice de Desenvolvimento Social da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Aludimos, também, à importância balneária na formação dos bairros de elite, quase todos constituídos próximos às boas praias de se tomar banho. As exceções localizadas no interior da baía (Botafogo, Flamengo, parte da Ilha do Governador e Icaraí) são bairros ocupados justamente num momento anterior à poluição generalizada.

FIGURA 3 – Mapa do Índice de Desenvolvimento Social (IDS) da Região Metropolitana do Rio de Janeiro

Fonte: Estudo Regional de Saneamento da Baixada Fluminense – ERSB 2013. Disponível em: http://psam.maps.arcgis.com/

Seguindo no argumento das assimetrias, se colocarmos em evidência a divisão racial da região, teremos um mapa semelhante aos dois últimos, com a maior concentração de pessoas negras nos bairros não oceânicos. O caso da poluição na baía não é diferente da já histórica relação brasileira entre raça, indicadores socioeconômicos e acesso ao saneamento, e corrobora, em abordagens socioeconômicas e étnicas, a desigualdade de riscos ambientais socialmente induzidos. Parece mais um caso de racismo ambiental quando verificamos que, ao longo do recôncavo da baía, as populações com maior concentração de negros, além de desprovidas de redes mínimas de saneamento básico, com consequente contaminação de recursos hídricos, ficam localizadas mais próximas às zonas industriais da metrópole ou mesmo de grandes “lixões” ilegais.

FIGURA 4 – Mapa racial do entorno da Baía de Guanabara

Fonte: Estudo Regional de Saneamento da Baixada Fluminense – ERSB 2013. Disponível em: http://psam.maps.arcgis.com/
A DESPOLUIÇÃO COMO MOTOR DE DESENVOLVIMENTO

A pertinência de abordar esses pontos é ainda maior quando levamos em conta a importância da praia não apenas como símbolo de uma metrópole turisticamente balneária, mas enquanto lugar de pertencimento de diferentes populações. Ter um olhar abrangente para a baía passa, fundamentalmente, pela percepção dos vínculos existentes em toda a região, isto é, compreendendo a extensão dos impactos sob o ponto de vista das sociabilidades urbanas e vinculações comunitárias das localidades e bairros margeados pelas águas da Guanabara. Algumas das perceptíveis consequências compreendem desde hábitos de lazer (como o usufruto das praias da baía) aos deslocamentos territoriais forçados: moradores das periferias levados a frequentar mais as praias da Zona Sul do Rio e Niterói, e o preconceito alimentado nesses “conflitos territoriais”, bem como a estigmatização dos seus territórios de origem, tidos como malcheirosos, fétidos e sanitariamente inadequados.

A restrição de uso das dezenas de praias da baía parece configurar, assim, ao menos dois fenômenos que colapsam a distinção entre “degradação da natureza” e do “social”: a perda do potencial de vinculação comunitária e de pertencimento territorial dos moradores das zonas suburbanas do Grande Rio; e o acirramento de experiências de segregação entre as periferias e as zonas sul e oeste carioca e fluminense. Os moradores das regiões mais abastadas deixam de conhecer e frequentar o que poderiam ser as belezas de dezenas de localidades no recôncavo, levando em conta ainda que a experiência de “ir à praia” constitui, mais do que simplesmente tomar um banho de mar, um impulso econômico e a construção de um inerente lugar de florescimento sociabilidades.

O real dimensionamento dos impactos metropolitanos referentes à poluição da baía é, por certo, primeiro passo fundamental para a devida abordagem do problema. Mas e as potencialidades? A força da imaginação, projetando cenários de despoluição da baía, pode nos levar, sem exageros, a uma mudança de rumo: a Baía de Guanabara, diagnosticada como um dos principais atoleiros do desenvolvimento metropolitano, não pode deixar de ser tratada como alavanca fundamental para a necessária redução de desigualdades socioeconômicas da região.

Alguns dos benefícios da expansão do saneamento na região foram valorados e expostos num relatório de 2014, produzido para o Instituto Trata Brasil ⁸. Caso o saneamento fosse universalizado, além da significativa diminuição do número de internações no SUS por doenças gastrintestinais infecciosas, estimou-se que, em duas semanas, quase 5 mil dias de afastamento do trabalho poderiam ser evitados, gerando um ganho de renda do trabalho da ordem de R$ 4,6 bilhões no ano (2012) — retornando, através de impostos, parte do valor para os governos. O estudo leva em conta, ainda, os potenciais ganhos por efeito do aumento da escolaridade, já que a falta de saneamento básico seria um fator de atraso escolar. Nesse caso, somariam mais R$ 3,29 bilhões que, agregados ao ganho pela diminuição do afastamento de trabalho, implicariam em um aumento de 9,2% na remuneração do trabalho, segundo as perspectivas daquela época.

O valor total que beneficiaria os municípios do entorno da baía, ainda segundo este relatório, ultrapassaria os R$ 30 bilhões em trinta anos, somando os ganhos imobiliários, turísticos e com redução de custos de internação — valor um pouco maior do que os R$ 27 bilhões que, à época, eram estimados para universalizar o saneamento da região. Contudo, é evidente, por si só, a complexidade de um estudo de valoração deste tipo, sobretudo um realizado já há 6 anos. Embora não deva ser levado “ao pé da letra”, serve, ao menos, ao delineamento possível de um horizonte promissor que o saneamento permite ao desenvolvimento metropolitano.

Sob o ponto de vista turístico, uma série de fatores devem ser considerados e, mais do que qualquer estudo, apenas a efetiva despoluição poderia descortinar uma série de possíveis impactos em efeito dominó. A subutilização turística da parte mais esquecida da baía (o lado ao norte da Ponte Rio – Niterói) inclui, por exemplo, localidades como as belas praias nas ilhas de Paquetá, Brocoió, Jurubaíba e Tavares; as praias da Ilha do Governador e da Ilha do Fundão; a Igreja da Penha e a Praia de Ramos; a região de Magé, antiga Guia de Pacobaíba, com a primeira estação ferroviária do país; toda região de manguezais da Área de Proteção Ambiental de Guapi-Mirim, emoldurada pelas silhuetas da região serrana, ao fundo; as isoladas e bucólicas praias da Luz e São João em Itaoca (São Gonçalo); além do ecoturismo subaquático, mergulho e observação de espécies que tentam sobreviver.

Ainda assim, levando em conta a baía como um todo, não podemos apartar seu espelho d’água dos dois maiores pontos de visitação do estado: o Corcovado (que pouco valeria sem a vista a partir da enseada de Botafogo), que recebe em torno de 1,7 milhão de visitantes ao ano, e o Pão de Açúcar, na entrada da baía, com cerca de 1,5 milhão de visitas anuais ⁹. O trabalho de olhar a baía por um viés econômico, realizado em um artigo pelo economista da UFRJ, Carlos Eduardo Young, e por Rodrigo Medeiros, geógrafo da UFRRJ, aponta outro cenário de valoração econômica. Mesmo um “exercício simples”, segundo os autores, evidencia a importância econômica em função do alto número de visitantes dos pontos turísticos da baía.

Assumindo, de forma conservadora, um gasto médio diário de R$ 300,00 por pessoa por dia de visita […], e um efeito multiplicador de 1,5, pode-se estimar que a demanda econômica gerada pela visitação relacionada à Baía de Guanabara é de pelo menos R$ 2,7 bilhões anuais. […] Por outro lado, deve-se considerar que o custo das oportunidades desperdiçadas também se situa na casa dos bilhões de reais anuais. […] Por fim, deve-se considerar outras dimensões de valores que, embora sejam mais difíceis de monetizar, são talvez ainda mais importantes. A Baía de Guanabara é uma imensa área desaproveitada de recreação e lazer para o próprio habitante do seu entorno (extensas praias de areia, pesca esportiva, esportes náuticos, etc.) ¹º

Há, ainda, os benefícios imensuráveis, que estabelecem na despoluição da baía uma proporção incapaz de ser apreendida por trabalhos tradicionais de valoração econômica: as consequências midiáticas de uma baía limpa; o efeito multiplicador da distribuição de renda gerada ao se injetar dinheiro novo em regiões pouco visitadas; os impactos das dimensões do lazer, sociabilidade, revalorização do ambiente e tradições locais, e da saúde física e mental da população.

Embora perfeitamente possível, parece tratarmos aqui de sonhos de um futuro distante. A construção de uma pressão popular imprescindível para a despoluição passa, sobretudo, pela perspectiva abrangente que o tema deve envolver. Não nos esqueçamos: a revitalização deste grande “território comum” fluminense possibilitaria não só a preservação de um ecossistema ambiental, mas um reencontro da potência do imaginário do Grande Rio consigo mesmo. Contemplar o interior da baía é olhar para dentro, para a própria história da região e, geograficamente, sempre nos remete ao outro lado de suas águas e à circularidade de seus espaços: de Icaraí ao Flamengo, de Magé a São Gonçalo, das ilhas para o continente.



Michel Misse Filho é jornalista e mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integra o Observatório de Jornalismo Ambiental, ligado ao Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS)



* As opiniões expressas neste texto são de exclusiva responsabilidade do autor.
** Foto de Divulgação: Cláudio Luiz Castro/Unsplash

Notas de Rodapé
[1] CHAVEZ, R. Água cristalina na Praia de Botafogo é efeito do outono, diz INEA. R7, Rio de Janeiro, 18/05/2020. Disponível em: https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/agua-cristalina-na-praia-de-botafogo-e-efeito-do-outono-diz-inea-19052020 Acesso em: 19/05/2020
[2] GUIMARÃES, C. Vídeo da água transparente na Praia de Botafogo: efeito da quarentena? Veja Rio, Rio de Janeiro, 19/05/2020. Disponível em: https://vejario.abril.com.br/cidade/agua-transparente-praia-botafogo-video/ Acesso em 19/05/2020
[3] BREVES, L. Rio surreal: o momento caribenho da Praia de Botafogo. O Globo, Rio de Janeiro, 19/05/2020. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/rio-surreal-momento-caribenho-da-praia-de-botafogo-24433854 Acesso em 19/05/2020
[4] OLIVEIRA, L. Poluição das águas marítimas: estragos na fauna e flora do Rio de Janeiro. In: Memórias do Instituto Oswaldo Cruz: v.56. Rio de Janeiro, 1958
[5] NOSSA rede de esgoto é proporcionalmente menor que há um século atrás. O Globo, Rio de Janeiro, 15/09/1959. Geral: 9.
[6] CASOS confirmam: o perigo existe. O Globo, Rio de Janeiro, 08/01/1970. Geral: 13.
[7] ALENCAR, E. Baía de Guanabara: descaso e resistência. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Boll / Mórula, 2016.
[8] Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/datafiles/estudos/baia-guanabara/Estudo-Completo-Beneficios-do-saneamento-na-Baia-de-Guanabara.pdf Acesso em 07/05/2020
[9] Dados do Anuário Estatístico de 2014 da Secretaria de Estado de Turismo. Disponível em: http://www.turisrio.rj.gov.br/downloads/Anu%C3%A1rio%20Estat%C3%ADstico%202014.pdf Acesso em 07/05/2020
[10] YOUNG, C & MEDEIROS, R. Baía de Guanabara: um olhar econômico. 2017. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/326986425_Baia_de_Guanabara_um_olhar_economico

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O Espírito Santo e o Rio

*Por Eduarda La Rocque

O Espírito Santo tem hoje condição de sair da crise do coronavírus rumo a uma trilha de desenvolvimento sustentável, coisa que o Rio pré-olímpico teve e perdeu. Qual a principal diferença entre os dois Estados, tão semelhantes em oportunidades vinculadas à posição estratégica, capital humano e dotes naturais? O capital cívico, a confiança, a estabilidade jurídica, a transparência, a credibilidade das instituições, a tal governança dos manuais de sustentabilidade. Este alto nível de capital cívico foi atingido através de um trabalho árduo, de toda uma geração de políticos e gestores públicos; e não só eles, foi um movimento de toda a sociedade capixaba, incluindo empresários, movimentos populares e pesquisadores universitários, que conseguiram através de um processo de renovação de cidadania, tirar o Estado da “terra sem lei” em que se encontrava no início deste século. A situação era deplorável, similar infelizmente à do Rio de hoje.

São ainda muitos os desafios do Espírito Santo, principalmente aqueles ligados à diversificação da economia, melhoria da infraestrutura e qualidade de vida dos mais vulneráveis, o enfrentamento à pobreza e aos mais diversos tipos de desigualdades. Mas o fato de ser o único Estado avaliado com nota A pelo Tesouro Nacional desde 2012 e um atual governo comprometido com a responsabilidade fiscal e com a redução das desigualdades sociais e regionais faz com que surja a esperança de um caso de sucesso real de desenvolvimento sustentável e inclusivo no país. Mas como medir o “sucesso” da gestão de um país ou ente subnacional?

Certamente o PIB per capita não serve. Joseph Stiglitz, já antes do vírus, alertava que o PIB é uma ilusão perversa. “O mal-estar social alastra-se, o colapso da Natureza avança e a democracia declina. Se ainda assim o termômetro que afere o ‘sucesso’ das sociedades nos diz que tudo vai bem — então, é preciso trocá-lo por outro”¹.

O PIB per capita não é uma boa métrica para medir o grau de desenvolvimento de um país, muito menos Estado ou cidade. O PIB é muito impactado por atividades relacionadas à indústria extrativa, sem penalizar a desigualdade nem o desgaste do meio ambiente, além de não computar adequadamente a economia criativa. A alternativa proposta por Amartya Sen, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), é muito adequada para ranquear os países ou mesmo municípios, mas não tão boa para avaliar os resultados de política pública num prazo mais curto, pois varáveis como renda média, expectativa de vida e nível de escolaridade demoram muito a reagir. Para avaliar os resultados das políticas públicas lá “na ponta”, ou seja, os impactos reais nos territórios, foi criado por Michael Porter o IPS (índice de progresso social), que aborda aspectos sociais, de direitos e ambientais e hoje é atualizado pela Rede de Progresso Social (por sinal já implantado na cidade do Rio). Um bom ponto de partida para que candidatos à prefeitura se comprometam com a melhora de cada um dos indicadores, em cada uma das 32 regiões de planejamento contempladas pelo estudo.

No Espírito Santo, estamos desenvolvendo o IPES, índice de prosperidade que irá mensurar a melhoria de qualidade de vida dos cidadãos, por região, medida através de uma composição de sete “ativos” da sociedade: econômico, social, ambiental, cívico (que inclui as questões de governança), urbano, cultural e humano, em cada um dos municípios e microrregiões. Aproximar a academia, o governo nas suas diversas esferas, setor privado e sociedade civil num pacto pela prosperidade do Espírito Santo, visando a redução de desigualdades, sociais e regionais.

Integrar as políticas públicas nos territórios de uma forma participativa é o único caminho viável para o desenvolvimento sustentável, que requer um processo de melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, principalmente para os mais vulneráveis, e mantendo o respeito ao meio ambiente e às instituições.

O modelo de desenvolvimento territorial proposto é composto por três etapas. A composição de um conselho de atores envolvidos e comprometidos com o desenvolvimento do território; a pactuação de metas de desenvolvimento holísticas; e, uma matriz de responsabilidades para se alcançar e monitorar as metas. Para dar certo, depende de representatividade dos atores, informação qualificada e empoderamento do conselho. Precisamos de uma meta, um guia; daí a importância dos indicadores econômicos e sociais. São eles que pautam toda a informação, a composição do saber da sociedade e os rumos dos países e entes subnacionais.

Um território pode ser uma favela, um bairro, uma cidade, um país ou uma microrregião do Estado. É este modelo que está sendo elaborado para as dez microrregiões do Espírito Santo, com o projeto de Desenvolvimento Regional Sustentável, que visa ao mesmo tempo o desenvolvimento com justiça social, com a preservação ambiental e a prevenção de crises, através de um plano de longo prazo participativo. Foi o que tentamos fazer, sem sucesso, com a UPP Social e, depois no Pacto do Rio, experiência que conto, como um relato pessoal, no artigo “Democracia e Informação”, do livro Política, nós também sabemos fazer, e que transcrevo em anexo. Podemos aprender muito com os casos de fracasso.

A situação emergencial de violência urbana no Rio de Janeiro, hoje, é um caso que justifica uma concentração de esforços do setor privado, mercado de tecnologia social e do mercado de capitais². Conter a violência é importante; mas a longo prazo, a única solução sustentável é prevenir: investir em projetos que ajudem a consolidar a paz nos territórios pacificados através da inclusão social e produtiva daquelas comunidades, preferencialmente por meio do estímulo ao empreendedorismo local.

Como nos alerta Yunus Muhammad³, se não nos engajarmos em um programa de recuperação econômica pós-coronavírus impulsionado por uma consciência social e ambiental, inevitavelmente tomaremos um caminho muito pior do que a catástrofe do coronavírus.

anexo: a experiência do pacto do rio

Só quando deixei o gabinete da Secretaria de Fazenda do Rio para assumir o programa da prefeitura para o desenvolvimento urbano das favelas pacificadas (UPP Social), é que enxerguei a desigualdade estrutural em que vivemos e a bolha de elite em que estava inserida. Meu relato parte de uma doutora em economia que não estudou ciência política, mas que exerceu por sete anos um papel político de relevância. Vem da experiência prática, também pelos doze anos anteriores em que trabalhei no mercado de capitais, como especialista em gestão de riscos, controle e governança corporativa.

A informação qualificada é o que traz vantagem comparativa ao mercado, seja o financeiro ou o de votos. Há sempre a tentativa de se esconder informação e perdas já existentes para, assim, obter vantagens escusas, burlar controles e, no caso do Estado, esconder a realidade do eleitor. Não temos instrumentos adequados de participação e controle. Foi quando assumi o Instituto Municipal Pereira Passos (IPP) que descobri que nos falta, principalmente, informação qualificada. E o valor que a informação tem para o desenvolvimento sustentável de uma cidade.

A UPP Social, apesar dos nossos dois prêmios internacionais, não obteve o sucesso que se pretendia – o que ajudou a deteriorar a política de pacificação –, por falta de integração, eficiência e avaliação das inúmeras e dispersas políticas sociais, que derivam das enormes disputas políticas em torno desses territórios; o tal mercado de votos. Era uma metodologia teoricamente muito bem desenhada na Secretaria de Direitos Humanos e Assistência Social do Estado, visando um choque de serviços públicos paralelamente à entrada da polícia/UPP. O projeto mostrou-se, no entanto, inviável politicamente, pois pressupunha um articulador político entre as demandas qualificadas das favelas pacificadas e toda a ampla oferta não só do setor público, como da sociedade, àquele novo mercado que surgia.

A grande concentração de ações públicas daria muito poder a quem as realizasse, e o projeto acabou minado, empurrado do Estado para a prefeitura, onde nunca teve força. O prefeito não queria apoiar a política de pacificação porque assim estaria fortalecendo politicamente o secretário de segurança, que já ganhava o apoio da população. E a união de esforços não se encaixava com a estratégia de todos os políticos que ali estavam, que era justamente fatiar aquele novo mercado de votos que se abria. As favelas foram “empoderadas” com o excesso de promessas dispersas e inexequíveis através de “lideranças locais”, que na verdade eram cabos eleitorais dos candidatos e trabalhavam para os políticos, e não para a população, em um projeto de desenvolvimento urbano que financiou, hoje se sabe, boa parte da corrupção do governo estadual e federal e quase nada ficou nas comunidades, além de descrédito, decepção.

A UPP Social, já na prefeitura, tentando integrar as forças, mas sem força política, acabou sendo atacada pelos dois lados. Tanto pelo próprio governo como também pelos moradores das favelas, que não gostaram de ver seu “espaço de fala” invadido por cientistas sociais “representando” a prefeitura. E os cientistas sociais, por outro lado, não queriam nem o sucesso da política de pacificação nem representar a prefeitura, justificadamente nada benquista pelas favelas. Do governo, a UPP Social tinha menos empatia ainda, já que se colocava como defensora dos direitos da favela, e não um mediador entre as duas partes, tal como deveria ser. E os secretários também não ajudavam, empurrando projetos de cima para baixo, sem levar em consideração os bem-elaborados diagnósticos produzidos pela UPP Social. Até que o programa começou a se esgarçar internamente, entre os gestores de campo que coletavam as demandas e a área institucional, que obviamente não conseguia fazê-las acontecer.

Sem força política, a saída foi transformar a UPP Social num programa de geração de informação qualificada e, em torno dela, acordos e parcerias público-privadas participativas, muitas delas com muito sucesso. O IPP participava da “Cúpula das Favelas”, composta por um grupo de lideranças comunitárias e de gestores públicos e privados sob a coordenação do Ministro Reis Velloso, do Fórum Nacional. O grupo publicou vários livros com planos de desenvolvimento para as favelas⁴ e implantou diversos projetos de parcerias público-privadas participativas. Dentre os vários liderados pelo IPP, destaca-se o Agentes de Transformação⁵ – que elaborou uma espécie de senso dos jovens das favelas pacificadas, feito pelos próprios jovens. Todos os projetos visando formar uma base de informação qualificada sobre as favelas e a partir de então um plano participativo de ação para a inclusão social e produtiva delas. Um exemplo claro de informação qualificada era o mapa rápido participativo das favelas, elaborado pela UPP Social, que indicava as condições urbanas, de água, saneamento, coleta de lixo, risco de deslizamento etc., para cada microrregião de cada favela. A partir de então poderia ser feita uma força-tarefa para melhorar as condições, direcionada para os responsáveis na prefeitura, Comlurb, por exemplo, e outros poderes como a estadual Cedae, para resolver as questões, principalmente as das áreas mais vulneráveis.

O mapa, no entanto, nunca chegou a ser usado. Pelo contrário, foi proibido de ser publicado por questões políticas, o que me levou à convicção de que a gestão da informação, essencial para a gestão consciente e sustentável da cidade, não poderia estar nas mãos do governo; deveria ser um órgão independente. Toda essa experiência acabou se transformando no Pacto do Rio, lançado em dezembro de 2014, com o objetivo de construir essa instância de articulação das ações em torno das favelas, que no momento pré-olímpico eram muitas, com muito investimento financeiro, mas muito desintegradas.

O objetivo era retroalimentá-las, fortalecê-las, já que o quadro falimentar que já há muito vemos no Rio já se desenhava para nós. O modo como as ações destruíam umas às outras por descuido, por disputa de territórios, além da corrupção, era de uma enorme ineficiência. A falta de clareza de tudo que estava acontecendo, a falta de transparência, levava a um estado de corrupção generalizada. O objetivo com o Pacto era fazer convergir um movimento de baixo para cima – a partir da vontade da população de participar e melhorar a qualidade dos serviços públicos – com a pressão dos organismos internacionais por mais transparência e melhores políticas públicas e privadas em prol do desenvolvimento sustentável. Foi tarde demais.

Mas esta e tantas outras experiências podem ser usadas para uma recuperação rápida do Cidade Maravilhosa. Com pessoas experientes que aproveitem informação qualificada, estudos acadêmicos, o saber popular, programas de sucesso e os erros cometidos para que retomemos para uma trajetória de desenvolvimento sustentável. Com informação qualificada, transparência, responsabilidade fiscal e social. Um modelo territorial de reurbanização e geração de renda nos nossos morros e periferias. Um projeto amplo e bem desenhado de habitação de interesse social não só nos centros urbanos, mas planejando melhor a ocupação do solo do interior é o melhor caminho para a retomada econômica.



Eduarda La Rocque é economista chefe do Banestes. Foi secretária de fazenda da cidade do Rio e presidente do Instituto Pereira Passos.


* As opiniões expressas neste texto são de exclusiva responsabilidade do autor.
** Foto de Divulgação: Antônio Lapa/Unsplash

Notas de Rodapé
[1] Artigo “Mercado e Democracia” na revista Outras Palavras, 2020.
[2] Eduarda La Rocque, O Mercado de Capitais e as Políticas Públicas, REVISTA RI, n.214, 2016.
[3] Artigo publicado no jornal italiano La Republica no dia 18.04.2020.
[4] ‘Favela é cidade’: fazer acontecer”. In: VELLOSO, J.P.R. (coord.). Cultura, “favela é cidade” e o futuro das nossas cidades. Fórum Nacional / Inae, 2014.
[5] Disponível em https://www.unicef.org/brazil/pt/media_31942.html

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Mudança de Normas Sociais e o Combate à Violência Contra a Mulher no Rio de Janeiro (Parte 1/2)

*Por Maria Oaquim e Renata Ávila

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde estima que 1 em cada 3 mulheres ao redor do mundo já sofreu violência física por seu parceiro ou sexual (WHO, 2013). Ademais, em âmbito global, 38% dos assassinatos de mulheres foram cometidos por seus companheiros (WHO, 2013). Apesar de avanços na proteção jurídica e da existência de instituições dedicadas ao combate à violência de gênero, o Brasil ainda apresenta índices elevados de violência contra mulher. Em 2017, 13 mulheres foram assassinadas por dia em nosso país, sendo que 39,3% dos óbitos femininos¹ ocorreram dentro de casa² (Atlas da Violência, 2019). Uma pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto DataFolha em 2019 apontou que cerca de 27,4% das mulheres brasileiras com mais de 16 anos sofreram algum tipo de violência nos últimos 12 meses e que 52% das vítimas não denunciaram o agressor.

A defesa de um combate efetivo à violência contra a mulher vai além de uma questão de saúde pública. Primeiramente, ela é uma questão de Direito Humano, uma vez que atinge a liberdade da mulher de gozar de seus direitos com igualdade em relação aos homens (United Nations, 1993)³. A experiência de violência doméstica também impacta negativamente o desempenho das mulheres no mercado de trabalho, sendo associada a maior desalento no mercado de trabalho, instabilidade de emprego e redução da produtividade (Swanberg, Logan & Macke, 2005; Carvalho e Oliveira 2016). Além disso, as consequências da violência contra as mulheres penalizam a sociedade como um todo: estimativas apontam que seu custo econômico é em ordem de 10% do PIB Brasileiro (Waters, 2004). Também está envolvida uma questão de transmissão intergeracional da violência: homens que experimentaram violência de gênero em seus lares quando crianças têm maior propensão tanto a cometer violência contra mulheres como a perpetrar outras formas de agressão (Peacock and Barker, 2014; Fleming et al., 2013). Um dos mecanismos por trás dessa perpetuação geracional da violência é o processo de aprendizagem observacional, onde crianças podem vir a entender a violência como uma resposta apropriada ao conflito se a presenciam em seus lares (Smith-Marek et al., 2015). Assim, o combate à violência doméstica também está associado ao combate a outras formas de violência.

Quando falamos em violência contra mulher é necessário ter em mente duas dimensões importantes. Uma delas é a característica multifacetada desse fenômeno, ou seja, a violência surge de uma interação de fatores pessoais, situacionais e sócio-culturais (Heise 2011).Outra dimensão relevante é o forte componente interseccional, uma vez que a violência contra mulher não engloba somente uma questão de gênero, mas também racial e de classe. A pobreza e a discriminação são fatores correlacionados com a vitimização e a recorrência da violência, em especial quando consideramos que muitas dessas mulheres não têm alternativas financeiras fora do casamento. Tanto entrevistas domiciliares de vitimização (FBSP, 2019) quanto dados administrativos de homicídios (Atlas da Violência, 2019; Instituto de Segurança Pública, 2019) apontam que as maiores vítimas são mulheres negras. No Estado do Rio de Janeiro, para o ano de 2018, as mulheres negras eram 59,1% das mulheres vítimas de homicídio doloso, 55,0% daquelas que sofreram tentativa de homicídio e 55,8% das vítimas de estupro . Dessa forma, a experiência internacional corrobora que uma abordagem multifacetada, englobando a proteção jurídico-institucional, o empoderamento econômico e a mudança de normas sociais nocivas à igualdade de gênero é desejável para um combate efetivo da violência contra a mulher (Pauluk and Ball, 2010).

A subnotificação de crimes de tal natureza, a falta de uma cultura de sistematização de dados de assistência social e registros de violência contra mulher incompletos são grandes desafios para a formulação de políticas públicas que visem ao combate efetivo dessa forma de violência. Para além disso, falta uma pesquisa domiciliar de abrangência nacional e longitudinal que busque quantificar melhor a vitimização de mulheres no Brasil. Dados do Instituto Igarapé contabilizam 280 iniciativas de prevenção de violência e proteção à mulher em curso no Brasil, das quais, no entanto, 98.57% não apresentam relatórios de avaliação. Essa estatística é altamente preocupante, uma vez que sem a coleta de dados e realização de diagnósticos não é possível fazer avaliações robustas de programas e constatar quais medidas são capazes de gerar resultados positivos. Prejudica-se, assim, a efetividade das intervenções.

Nesse conjunto de artigos, iremos trazer estatísticas de pesquisas domiciliares realizadas em algumas comunidades no Rio de Janeiro que buscaram investigar opiniões e atitudes com relação a papéis de gênero, tolerância e perpetração quanto à violência doméstica. A partir da análise de tais pesquisas, da literatura internacional sobre o tema e dos programas de combate à violência doméstica já implementados no Brasil, buscaremos ressaltar uma lacuna nas políticas públicas voltadas ao tema: mudança de normas sociais que deem suporte à violência de gênero.

A primeira parte do artigo consiste em uma breve revisão de literatura de duas dimensões de políticas públicas de combate à violência contra mulher: o enfrentamento jurídico institucional e medidas de empoderamento econômico. Já na segunda parte iremos investigar mais a fundo a literatura sobre a relação de normas sociais e violência contra a mulher e argumentar porque essa dimensão é relevante no combate à violência na cidade do Rio de Janeiro.

Enfrentamento à violência contra mulher no âmbito jurídico e institucional

Uma importante dimensão do combate à violência doméstica é a proteção jurídico-institucional às vítimas e a punição ao agressor. A Lei Maria da Penha (11.340/2006) foi o principal marco jurídico do combate à violência contra a mulher no Brasil, promulgada após a condenação do Brasil pela Organização dos Estados Americanos no caso de Maria da Penha Fernandes, por omissão e negligência no tratamento da violência conjugal. A lei retirou os casos de violência doméstica da esfera de tratamento dos Juizados Especiais Criminais (Lei no 9.099/1995), que, portanto, deixaram de ser julgados como crimes de menor potencial ofensivo. A LMP não só aumentou a probabilidade de imputação de pena ao agressor como introduziu uma série de medidas protetivas visando prover acolhimento emergencial e assistência à vítima, conforme apontado em Martins, Cerqueira e Matos (2015). Dentre eles, destacam-se a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher e a possibilidade de concessão de medidas protetivas de urgência.

A literatura internacional sobre legislação específica contra violência de gênero identifica alguns canais teóricos de atuação sobre a probabilidade de ocorrência de um crime de violência. São eles: aumento do custo para os agressores, maior segurança para que a vítima possa denunciar e aperfeiçoamento dos mecanismos jurisdicionais, potencialmente aumentando a probabilidade de condenação (Ipea 2015).

A legislação específica oferece, além de tratamento mais adequado aos crimes de violência e melhor infraestrutura protetiva para as vítimas, o aumento da probabilidade de denúncia do crime em si. Evidências empíricas mostram que a criação de unidades policiais específicas para atuação sobre a violência contra a mulher e a incorporação de mulheres à força policial dessas unidades aumentam a probabilidade de denúncia desse tipo de crime (Amaral et al 2018; Kavanaugh et al 2017; Iyer et al 2012). Observa-se que, até 2018, todavia, 91.7% dos municípios brasileiros não possuíam uma DEAM, e somente 2,4% têm casa-abrigo para mulheres em situação de violência (IBGE 2019). No estado do Rio de Janeiro, 87% dos municípios não possuem uma Delegacia de Atendimento à Mulher.

A Lei Maria da Penha gerou reduções estatisticamente significativas sobre a taxa de homicídios de mulheres associados à violência de gênero de 2006 a 2011, com efeitos maiores em regiões onde a incidência de violência era maior antes da promulgação da lei (Ipea 2015). Entretanto, a continuidade da eficácia da LMP na redução casos de homicídios de mulheres é incerta, em especial devido ao crescimento de tais crimes desde 2007 (Atlas da Violência, 2019) . Outro fator preocupante é a baixa efetividade dos serviços protetivos nos diversos municípios. A presença de DEAMS, por exemplo, mostra-se mais efetiva para a redução de homicídios perpetrados contra mulheres mais jovens e residentes em capitais e grandes aglomerações urbanas, com efeitos nulos em municípios menores (Perova e Reynolds, 2015). As autoras discutem que tais efeitos diferenciados para esses subgrupos podem dever-se à presença de maiores oportunidade econômicas nos centros urbanos e ao fato de que mulheres mais jovens costumam apresentar opiniões e atitudes quanto a normas de gênero menos conservadoras. Portanto, tal efeito heterogêneo dialoga com a interseção de fatores de combate à violência: proteção jurídico-institucional, oportunidades econômicas e normas sociais mais igualitárias. A fim de apresentar melhor a importância desses outros âmbitos de atuação, vamos discuti-los com maior cuidado nas próximas sessões.

Empoderamento econômico e violência contra a mulher

Uma série de estudos busca relacionar o empoderamento econômico feminino com a violência doméstica. Por um lado, mais recursos econômicos podem fornecer às mulheres uma alternativa de vida economicamente sustentável fora do relacionamento e, assim, aumentar seu poder de barganha dentro da relação (Aizer, 2010). Uma evidência desse canal é mostrado por Aizer (2010): a autora encontra que a redução do diferencial salarial de gênero mostra-se empiricamente associada à diminuição de episódios de violência doméstica que resultam em hospitalização de mulheres nos EUA. No caso brasileiro, dados da PNAD (IBGE 2009, Suplemento de Vitimização) mostram relação estatisticamente negativa entre participação feminina no mercado de trabalho e probabilidade de sofrer violência conjugal (Ipea 2015). Bobonis e outros (2013), ao investigarem o impacto do Oportunidades (programa de transferência de renda condicional similar ao Bolsa Família) nos casos de violência doméstica no México encontraram uma redução de 40% na probabilidade de sofrerem abuso físico.

Por outro lado, o empoderamento econômico feminino pode ameaçar a posição tradicional do homem como provedor familiar primário, potencializando situações de conflito em alguns domicílios (Macmillan e Gartner 1999). O estudo de Bobonis e outros (2003) para o México também encontrou que as beneficiárias do programa são mais propensas a receberem ameaças violentas, mas sem violência física associada. Diferentes métricas de empoderamento econômico revelam que, apesar da independência econômico-financeira feminina estar muitas vezes associada a uma menor incidência da violência de gênero, em diversos contextos essa correlação não é clara ou pode mesmo afetar negativamente as mulheres (Vyas e Watts 2008; Krishnan 2005; Kishor and Johnson 2004). Portanto, as evidências a respeito de programas de empoderamento econômico feminino em redução da violência doméstica são inconclusivas, mostrando que somente a melhora das condições econômicas das mulheres pode ser uma solução limitada para diminuir sua exposição a situações de violência.

Ao mesmo tempo, programas que combinam empoderamento econômico e intervenções específicas em prol da mudança de normas sociais revelam resultados positivos sobre a diminuição da violência de gênero. Pronyk e outros (2006) encontram efeitos positivos da inserção de treinamentos específicos contra a violência de gênero em um programa de crédito cooperativo e prevenção de AIDS implementado na África do Sul, com redução de 55% na probabilidade de ter sofrido violência doméstica em 2 anos. Gupta e outros (2013) avaliam os resultados de um programa de microfinanciamento para mulheres aliado à participação em grupos de discussão sobre gênero, e encontram menor incidência de violência doméstica para mulheres beneficiárias que participaram nas discussões com seus parceiros, comparado às que apenas receberam o benefício econômico. Assim, a evidência empírica sugere a importância, para além do auxílio econômico, da mudança de normas sociais e perspectivas sobre os papéis de gênero em políticas de combate à violência doméstica. No próximo artigo dessa série, vamos investigar mais a fundo essa outra relevante dimensão do enfrentamento à violência contra mulher e debater porque programas direcionados à transformação de opiniões e atitudes com relação aos papéis de gênero podem ser importantes em mitigar a violência em nossa cidade.



Maria Oaquim é membro da Iniciativa RioMais. Mestranda em Economia na PUC-Rio e formada pela mesma universidade. Trabalhou em projetos acadêmicos na área de Economia do Trabalho, Desigualdade de Gênero e Crime e em avaliação de políticas públicas relacionadas à Violência de Gênero.


Renata Ávila é formanda em Economia pela PUC-Rio, com intercâmbio acadêmico na Universidade da Califórnia, Berkeley. Possui experiência profissional em Macroeconomia e como assistente de pesquisa em Economia Política.



* As opiniões expressas neste texto são de exclusiva responsabilidade do autor.
** Foto de Divulgação: Bacia de Campos: Principais Operações/Petrobras

Notas de Rodapé
[1] Essa estatística foi obtida não considerando mortes em locais não reportados. Se considerar esses locais não reportados, a estatística é de 28,5%.
[2] Segundo a literatura internacional, os homicídios ocorridos dentro do âmbito doméstico são uma boa aproximação para feminicídios
[3] https://www.ohchr.org/EN/ProfessionalInterest/Pages/ViolenceAgainstWomen.aspx
[4] Observatório Judicial da Violência contra a Mulher, TJ-RJ. http://www.tjrj.jus.br/web/guest/observatorio-judicial-violencia-mulher/delegacias

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