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A renda do petróleo e gás e como usá-la: um exercício para o Rio de Janeiro

*Por Marcelo Casagrande

O QUE SÃO ROYALTIES E PARTICIPAÇÃO ESPECIAL?

O Rio de Janeiro é um grande produtor nacional de petróleo e de gás natural associado, o principal estado brasileiro neste quesito. Pode-se destacar os municípios de Maricá, Niterói e a capital fluminense como alguns dos que mais são beneficiados com a renda petrolífera, normalmente transferida pela União, que é por lei a detentora dos recursos explorados em seu território, através de dois caminhos: Royalties e Participação Especial.

Os royalties são remunerações pagas pelo direito à exploração de algum recurso e podem ser aplicados em diversas atividades. Na indústria do entretenimento, por exemplo, royalties podem ser pagos ao autor de uma música para que o conteúdo possa ser usado comercialmente por outros indivíduos. Porém, neste texto os royalties se referem à indústria de petróleo e gás e, portanto, segundo a ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), são “uma remuneração à sociedade pela exploração desses recursos não renováveis”¹. Isso quer dizer que a renda é concedida à União e repassada aos estados e municípios beneficiários para que eles a revertam em investimentos favoráveis à sociedade que compensem os danos causados pela exploração. O cálculo dos royalties de petróleo e gás é feito segundo uma alíquota (que varia de 5% a 15%) incidente sobre o valor gerado por um campo de produção, sendo este valor calculado multiplicando-se as quantidades de produção e os preços de referência de petróleo e gás no mercado.

A participação especial, por sua vez, é uma compensação financeira extraordinária paga trimestralmente pelas empresas concessionárias àqueles que possuem campos de produção de petróleo e gás natural de grandes proporções. A participação é calculada segundo alíquotas progressivas aplicadas sobre a receita líquida da produção trimestral de cada campo e a transferência para a União, estados e municípios beneficiados depende das características do campo (terrestre ou marítimo) e da data referente à sua declaração de comercialidade².

para onde vão estes recursos?

Royalties e Participação Especial formam, portanto, as rendas da produção de óleo e gás que serão estudadas neste texto e cabe agora discutir o que a literatura tem apresentado como melhor forma de se utilizar estes recursos. Segundo determinação da ANP, que segue a ideia inserida na sua definição do conceito de royalties, a aplicação dos recursos deveria dar prioridade a ganhos sociais através de investimentos em educação, saúde, criação de empregos em outros setores e mitigação da degradação ambiental.

No Brasil, por muitos anos, têm se discutido com entusiasmo pelas forças políticas de que maneira essas receitas devem ser distribuídas de forma a beneficiar todos os entes da federação e não apenas aqueles que possuem campos dentro de seus domínios. Esta seria uma forma de distribuição justa para que algumas regiões não obtivessem vantagens desiguais para se desenvolverem em relação a outras, mas diversos estudos publicados demonstraram que os dados de mensuração do desenvolvimento, como renda per capita, educação, saúde e pobreza não apresentaram resultados melhores para os municípios beneficiários quando comparados a não beneficiários³. Uma causa costumeiramente apresentada para justificar a falta de resultados positivos é o destino incorreto dos recursos, pois o que se observa é a aplicação da renda petrolífera em gastos correntes, como nas despesas com pessoal e com a previdência social, em detrimento dos outros destinos apontados como preferenciais. Portanto, este artigo busca discutir qual a melhor forma de aplicar a receita em questão.

É claro que o equilíbrio dos gastos com pessoal e com a previdência é muito importante para a saúde fiscal do município e devem ser buscados os meios para que não falte recursos para estes pagamentos, mas usar ostensivamente a receita do petróleo parece se mostrar um suicídio fiscal. De um lado, temos um gasto constante, determinado pela massa de trabalhadores e aposentados do município, e potencialmente crescente ao longo do tempo. Enquanto isso, do outro lado vemos uma receita extremamente variável – que depende do volume produzido e do preço de referência no mercado mundial, além do câmbio, uma vez que o preço é determinado em dólar. Para agravar mais ainda a situação, podemos enfrentar crises, como a deste ano de 2020 por conta da Covid-19, que afetem (muito) negativamente a produção e o preço do petróleo e, consequentemente, as contas municipais. A fragilidade do câmbio brasileiro frente ao dólar, que está sendo escancarada nesse período de crise, é mais um motivo de preocupação quanto à volatilidade desta receita.

O QUE SÃO FUNDOS SOBERANOS?

A saída que países, estados e municípios ao redor do mundo têm encontrado para a situação de dependência do petróleo é a criação de fundos alimentados pela receita do recurso natural, uma espécie de poupança. Estes fundos costumam receber aportes periódicos e são aplicados para gerar uma renda a ser explorada preferencialmente no longo prazo, em favor das gerações futuras, quando se espera que a exploração dos recursos esteja ameaçada. Se um dia o petróleo vai acabar e não será mais possível gerar receita a partir dele, a ideia é destinar uma parcela do que recebemos para a readaptação necessária no futuro, quando outras atividades deverão ocupar o vácuo deixado pelo óleo.

O maior exemplo de sucesso de um fundo soberano de petróleo no mundo é o da Noruega, país que ganhou grande destaque no mercado mundial dos combustíveis fósseis a partir da década de 1970. Hoje, o GPFG (Government Pension Fund Global), que recebeu o primeiro depósito em 1996 e adotou a estratégia de aplicar seus investimentos ao redor de todo o mundo, como uma forma de diversificação e minimização dos riscos, possui valor de mercado superior a 1 trilhão de dólares. Considerado o maior fundo soberano do planeta, tem um rendimento médio de 6,1% ao ano desde 1998⁴.

Embora esse caso possa servir de inspiração, não se pode comparar a economia e a sociedade norueguesa com a carioca, por inúmeras razões, o que nos força a usar exemplos mais adequados à nossa realidade como referência. E pode-se fazer isso sem mesmo sair do estado: Niterói e Maricá, recentemente, adotando medidas semelhantes ao país europeu, criaram fundos que visam prover as futuras gerações com recursos da atual exploração do petróleo e do gás natural. Esta não é a única função do fundo, que também pode ser utilizado para possibilitar políticas anticíclicas em tempos de turbulência sem comprometer o orçamento público. Com efeito, como noticiado na grande mídia, ambos os municípios se juntaram nesta época de pandemia do novo coronavírus para auxiliar o município vizinho de São Gonçalo na construção de um hospital de campanha. Este exemplo de uso pontual já foi possível mesmo com os fundos ainda recentes, que receberam seus primeiros depósitos há menos de dois anos, o que demonstra o potencial deste tipo de iniciativa.

Mais exemplos são vistos no Brasil, a começar pelo primeiro fundo criado, o de Ilhabela, município do litoral paulista com grande destaque na produção de óleo e gás, que recebe volumosos recursos. Tendo isso em vista, a prefeitura criou em abril de 2018 o Fundo Soberano Municipal, pioneiro nacional. Além disso, o estado do Espírito Santo também criou o seu fundo em 2019.

O que todos estes exemplos de poupadores têm em comum é o significativo poder de gerar receita a partir do recebimento dos royalties e da participação especial, indiscutivelmente maior do que o observado hoje na cidade do Rio de Janeiro. Olhando para os municípios, observa-se o seguinte cenário para o ano de 2018: com a renda do petróleo, Maricá obteve uma arrecadação superior a R$ 1,5 bilhão (73% da receita total do município), Niterói arrecadou R$ 1,3 bilhão (38% do total arrecadado pela prefeitura) e Ilhabela recebeu pouco mais de R$ 782 milhões (correspondendo a 80% do todo). Para o Rio, a arrecadação foi de R$ 338 milhões, o que representa apenas 1,2% da receita total. As estatísticas acima são referentes ao apresentado nos relatórios da ANP e do Siconfi (Tesouro Nacional)⁵.

A partir de uma análise do que se tem noticiado sobre os fundos dos municípios de referência, conclui-se que os investimentos aplicados têm seguido padrões diferentes em cada situação. Para Maricá, por exemplo, a lei que previa aportes de 5% da receita dos royalties no início da poupança já foi modificada para que sejam depositados 10% dos royalties mensalmente e 10% da participação especial a cada trimestre. Em janeiro de 2020, com pouco mais de um ano de depósitos e rendimentos, o montante do fundo passava de R$ 274 milhões e a previsão da prefeitura é de que ele chegue aos R$ 2 bilhões em oito anos⁶.

Em Niterói, a estratégia também é destinar 10% do que se arrecada, mas apenas com a participação especial. Em março de 2020 o fundo chegou a R$ 272 milhões após os aportes realizados anteriormente e a previsão da prefeitura é de que em vinte anos atinja-se a marca de mais de R$ 2,7 bilhões poupados⁷.

Por último, Ilhabela formulou o seu fundo com o depósito de 15% do arrecadado com royalties em 2018. Essa porcentagem cresce paulatinamente até atingir 55% em 2022, quando espera-se que isso represente R$ 1 bilhão ao ano. Ainda existe uma emenda na lei que diz que o município também deve depositar 50% do excedente que ultrapassar a previsão anual, caso ele ocorra⁸. Todas as prefeituras garantem que as iniciativas têm sido feitas com o planejamento necessário e que recursos não ficarão escassos para outras áreas.

um fundo para o rio?

A cidade do Rio de Janeiro, que não possui tal fundo soberano, é receptora de ambas as transferências de royalties e participação especial. Isso a coloca numa posição potencialmente favorável ao bom uso destes recursos em prol da sociedade e da boa administração pública.

Antes de mais nada, é importante frisar que esta não chega perto de ser a fonte de receita mais expressiva do município, o que pode ser um bom sinal, uma vez que sinaliza uma dependência muito menor dos recursos naturais em relação aos outros. A renda do petróleo representou sempre menos de 2% da receita total nos últimos anos, mesmo levando em conta o grande volume gerado, com uma média próxima a R$ 15,7 milhões por mês em royalties e R$ 41,8 milhões por trimestre em participação especial em 2019 (ANP).

Com o decorrer da crise do novo coronavírus e com o entendimento mais amplo do que ela representa para o setor do petróleo, porém, é possível argumentar que não estamos no momento mais propício para iniciar o fundo. É de fato previsível que toda a indústria de óleo e gás sofra perdas ainda imensuráveis como efeito da crise, que vem afetando tanto a produção quanto o preço – vide as recentes baixas históricas do WTI e do Brent. Segundo o Secretário da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, em entrevista concedida à Reuters publicada no dia 22 de abril, o rombo nas contas do estado só com a diminuição dos royalties será de mais de R$ 4 bilhões⁹. Essa situação será igualmente prejudicial ao município.

Se ele já existisse, a poupança poderia cumprir muito bem a sua função de auxiliar políticas anticíclicas e emergenciais. O exemplo do hospital de campanha em São Gonçalo, com o custo de R$ 90 milhões financiado pelas prefeituras de Maricá e Niterói com recursos do petróleo, se encaixa muito bem nessa questão¹º.

Com o intuito de realizar um exercício retroativo, seria um pouco difícil precisar um momento único para a iniciativa da prefeitura de criar um fundo soberano, visto que as discussões já acontecem ao redor do mundo há décadas. Porém, considerando as conhecidas limitações governamentais no Brasil e os excessivos gastos em grandes eventos recentes no país – e, mais ainda, na cidade – ancorados pela renda petrolífera, tomemos como referência apenas as datas dos casos nacionais.

O primeiro cenário hipotético é o mais ousado, pois considera o início do mandato do atual prefeito Marcelo Crivella, que poderia ter começado a captar recursos para o fundo em 2017 caso esta fosse uma das pautas da sua candidatura. O cenário 2 considera o início pioneiro de Ilhabela em 2018. Finalmente, no cenário 3 temos um fundo com início somente em 2019, já depois de observado o movimento dos outros municípios.

Considerando que o Rio possui uma receita muito menos dependente da exploração de petróleo e gás natural do que os municípios de referência, podemos estimar porcentagens de cálculo do depósito bem maiores em comparação com as outras cidades. Então, para as projeções, foram consideradas porcentagens de 10%, 20% e 50% – apenas como orientadoras – incidentes sobre os royalties e as participações especiais recebidos. Assim, ainda se deixa uma margem bondosa da receita para ser usada com outros fins e não se compromete as contas da prefeitura. Como rendimento conservador, foi considerada a taxa Selic vigente na época de cada suposto depósito. A tabela a seguir resume as projeções de cada cenário.

TABELA 1 – Rio de Janeiro: Exercício retroativo (em R$ milhões)

Fonte: Elaboração própria (a partir de dados de arrecadação da ANP)

Como se pode notar a partir das projeções, o Rio teria potencial para já ter um fundo com centenas de milhões de reais poupados. Pensando no curto prazo, esse montante certamente seria um alívio considerável no auxílio a políticas de combate à crise do coronavírus. No longo prazo, com uma capacidade de investimento cada vez maior, destinos mais adequados para os recursos do petróleo do que os que se têm observado atualmente poderiam ser idealizados. Sabe-se da carência de assistência social que existe na cidade, que pode ser atenuada no futuro com uma política consciente. Maricá, por exemplo, informa que o programa já existente de Renda Básica da Cidadania seguirá contando com financiamento a partir do seu fundo soberano.

Conclusão

A ANP, em seu site oficial, disponibiliza previsões de arrecadação de royalties e participação especial para os beneficiários nos próximos anos. Seria muito interessante estudar estes dados e com eles formular projeções futuras para se ter uma ideia mais real do potencial de um fundo soberano carioca. Porém, visto que estas previsões foram realizadas antes de todo o terremoto econômico de 2020, elas tornaram-se pouco confiáveis. O baque na indústria será grande e ainda imensurável e, com isso, o foco deste texto foi a análise retroativa dos dados.

Novamente considerando o manuseio dos recursos, podemos olhar para os nossos vizinhos. Na gestão da atual crise, Maricá, Niterói e Ilhabela anunciaram planos financiados por seus fundos para auxiliar seus cidadãos, não só com a construção de estruturas de assistência médica, mas também com provimento de renda e facilitação de crédito. Analogamente, é de se imaginar que o enfrentamento na capital fluminense seria facilitado caso providências tivessem sido tomadas com antecedência.

Ganhos e compensações sociais pela exploração dos recursos energéticos devem ser a prioridade no uso dos recursos, em uma estratégia de longo prazo. No momento, por mais que presenciemos tempos extraordinários de crise sanitária e econômica, é importante que as medidas exemplares de destinação da receita do petróleo estejam presentes nas discussões dos formuladores de políticas cariocas. Hoje, o que acontece no Rio é a priorização equivocada nos gastos correntes com a previdência, que certamente deve ser tratada com zelo, mas com um plano que a torne sustentável no futuro. Da mesma forma, o uso desenfreado desta receita volátil em programas de desenvolvimento social no curto prazo deve ser rechaçado em prol da longevidade destes programas.

Por fim, as definições das taxas e do modelo do fundo em geral – somente sobre royalties, somente sobre participação especial ou uma combinação dos dois – assim como a sua estratégia de maximização do rendimento, demandam um vasto estudo e muita negociação política. O objetivo inicial deste artigo não é formular uma proposta de imediato, mas inserir esta questão importante no debate público do Rio de Janeiro. E como espera-se que a cidade continue a ganhar volumosos recursos petrolíferos por um bom tempo, ainda não é tarde demais para isso.



Marcelo Casagrande é graduando em Economia pela UFRJ e com intercâmbio acadêmico na Universidade de Copenhague. Foca suas pesquisas acadêmicas na área de Economia da Energia e possui experiência profissional no setor público.



* As opiniões expressas neste texto são de exclusiva responsabilidade do autor.
** Foto de Divulgação: Bacia de Campos: Principais Operações/Petrobras

Notas de Rodapé
[1] Ver < http://www.anp.gov.br/royalties-e-outras-participacoes/royalties > acessado em 25/04/2020
[2] Ver < http://www.anp.gov.br/royalties-e-outras-participacoes/participacao-especial > acessado em 25/04/2020
[3] Postali, Fernando; Nishijima, Marislei. “Distribuição das Rendas do Petróleo e Indicadores de Desenvolvimento Municipal no Brasil nos Anos 2000” (2011); Nogueira, Lauro; Menezes, Tatiana. “Os Impactos dos Royalties do Petróleo e Gás Natural Sobre o PIB per capita, Índices de Pobreza e Desigualdades” (2012).
[4] Ver < https://www.nbim.no/ > acessado em 25/04/2020
[5] Ver < https://siconfi.tesouro.gov.br/siconfi/pages/public/declaracao/declaracao_list.jsf > acessado em 25/04/2020
[6] Ver < https://www.marica.rj.gov.br/2020/01/17/fundo-soberano-de-marica-atinge-r-274-milhoes-em-mais-de-um-ano/ > acessado em 25/04/2020
[7] Ver < https://fazenda.niteroi.rj.gov.br/site/com-novo-deposito-poupanca-de-royalties-de-niteroi-ultrapassa-r-270-milhoes/ > acessado em 25/04/2020
[8] Ver < https://epbr.com.br/camara-de-ilhabela-aprova-1o-fundo-soberano-para-royalties-do-brasil/> acessado em 25/04/2020
[9] Ver < https://br.reuters.com/article/businessNews/idBRKCN22438U-OBRBS?utm_source=newsletters+epbr&utm_campaign=f3d183886b-transicao_COPY_01&utm_medium=email&utm_term=0_5931171aac-f3d183886b-196819841 > acessado em 25/04/2020
[10] Ver < https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/04/06/com-mais-royalties-do-petroleo-niteroi-e-marica-se-unem-para-ajudar-sao-goncalo-a-construir-hospital-de-campanha-para-pacientes-da-covid-19.ghtml > acessado em 25/04/2020

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É possível implantar o “Governo Aberto” na cidade do Rio de Janeiro?

*Por Tatiana Bastos

Antes de enfrentar a questão, precisamos entender o que é “Governo Aberto” e quais os benefícios da adoção desse conceito. Segundo a Open Government Partnership – OGP¹, o termo “Governo Aberto” é uma nova visão da administração pública, uma vez que se define sob quatro princípios: transparência; prestação de contas e responsabilização; participação cidadão; e tecnologia e inovação.

Para cumprir com os requisitos de transparência, as informações sobre as atividades de governo deverão ser abertas, compreensíveis, tempestivas, livremente acessíveis e cumprindo ao padrão básico de dados abertos.
Quanto à prestação de contas e responsabilização do agente (accountability), o ente deverá possui regras e mecanismos que estabeleçam procedimentos de responsabilização e monitoramento eficientes.

A participação cidadã é medida, segundo a Controladoria-Geral da União², pela ação do governo de mobilizar a sociedade para debater, colaborar e propor contribuições que levem a um governo mais efetivo e responsivo.

Por fim, o princípio de tecnologia e inovação decorre do reconhecimento pelo governo da importância das novas tecnologias no fomento à inovação e da necessidade de ampliar a capacidade da sociedade de utilizá-las.

Para fazer parte da Open Government Partnership – OGP³ e implantar o conceito de Governo Aberto, os países participantes devem endossar os quatro princípios acima referidos e apresentar um Plano de Ação Nacional, comprometendo-se a adotar medidas concretas para o fortalecimento da transparência das informações e atos governamentais, combate à corrupção, fomento à participação cidadã, gestão dos recursos públicos, integridade nos setores público e privado, entre outros objetivos.

Desde a sua fundação em 2011, a OGP está presente em 78 países e 20 localidades, equivalentes a cidades, que trabalham com a sociedade civil na implantação do Governo Aberto. A cada dois anos, cada membro define um plano de ação criado necessariamente em conjunto com a sociedade civil e estabelece metas concretas para o aumento da transparência, prestação de contas e participação da sociedade no governo.

No Brasil, apenas dois entes federativos implantaram políticas de Governo Aberto, conforme definido pela OGP. A União implantou a Política Nacional de Governo Aberto através do decreto de 15 de setembro de 2011 e está no acompanhamento dos compromissos do 4º Plano de Ação. Já a cidade de São Paulo implantou a São Paulo Aberta através do Decreto municipal nº 54.794/2014 e está no acompanhamento dos compromissos do 2º Plano de Ação.

O 4º Plano de Ação da União, por exemplo, enfrenta temas como “transparência fundiária”, “transparência no processo legislativo”, “inovação e Governo Aberto na ciência”. Um ponto importante na metodologia da OGP é a base internacional do acompanhamento das metas e a participação permanente da sociedade, que, frequentemente, impulsionam o cumprimento local de compromissos de maior desgaste político.

E A CIDADE DO RIO DE JANEIRO?

O ponto central para o início da implantação do Governo Aberto é a adesão do poder executivo aos princípios da OGP. Cabe ao chefe do poder executivo avaliar se é possível ou até mesmo interessante ao ente federativo o fortalecimento da transparência das informações e atos governamentais, o combate à corrupção, o fomento à participação cidadã, a gestão dos recursos públicos, a integridade nos setores público e privado, dentre outros temas.

análise da situação atual do rio

Como uma forma de contribuir para a avaliação e implantação do Governo Aberto na cidade do Rio de Janeiro, passaremos a analisar algumas iniciativas já implantadas na Cidade Maravilhosa, com foco nos quatro princípios da OGP: (1) transparência; (2) prestação de Contas e Responsabilização; (3) participação cidadão; e (4) tecnologia e inovação.
No que tange à transparência de receitas e despesas em tempo real do executivo, o portal contas.rio⁴ marca um golaço. Pela plataforma, é possível pesquisar por “favorecido” (razão social ou CNPJ), “órgão”, “programa de governo”, “fundamento de despesa”, “ objeto”, dentre outras formas, tudo atualizado com dados do dia anterior e disponível em dados abertos.

Em tempos de COVID-19, a Controladoria-Geral do Município disponibilizou, em um curto espaço de tempo, um painel em “Power BI” para o acompanhamento mais atrativo e visual das compras emergenciais. Mas, antes, já disponibilizada essa ferramenta para visualização das despesas com “diárias” e “despesas gerais”.

Como proposta de melhoria à transparência ativa, temos três pontos importantíssimos que precisam ser urgentemente observados: o primeiro é a disponibilização dos termos e contratos jurídicos na íntegra, sem necessidade de requisição e cumprindo o que determina a Lei de Acesso à Informação; o segundo é a melhoria do detalhamento do objeto dos contratos, uma vez que a falta de padronização é um grande limitador de acompanhamento da sociedade; e o terceiro é a necessidade de utilização de uma linguagem mais acessível e atrativa ao público em geral.

No que concerne à prestação de contas e responsabilização, há um abismo de informação tanto no que se refere à prestação de contas, como no que se refere à responsabilização dos agentes. A prefeitura do Rio de Janeiro, através do decreto 45.385/18, instituiu o Sistema de Integridade Pública Responsável e Transparente – Integridade Carioca e definiu onze eixos temáticos de atuação de grande envergadura. Infelizmente, não é possível identificar sua aplicação na prática de todos os órgãos e entidades municipais.

Em análise das informações no site oficial da prefeitura, observamos que nenhuma das secretarias disponibiliza a prestação de contas anual ou preenche integralmente aos requisitos determinados pelo Sistema Integridade Carioca. Além disso, muitas sequer cumprem com a obrigação de publicar a carta de serviços, conforme determina a Lei 13.460/17. Ou seja, não é possível acompanhar as metas e prioridades estabelecidas nos normativos orçamentários (Plano Plurianual – PPA; Lei de Diretrizes Orçamentárias –LDO e Lei de Orçamentária Anual – LOA) de todas as secretarias, uma vez que os resultados não estão disponíveis.

Por exemplo, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro estabeleceu como meta para o ano de 2019 a implantação de prontuário eletrônico de fácil manuseio, integrado e padronizado em 68% da Rede de Saúde⁵. Já para o ano de 2020, a meta é chegar a 100% da Rede⁶. A integração do prontuário eletrônico permitirá um acompanhamento do paciente de forma mais eficiente, uma vez que o histórico de tratamento e exames estarão disponíveis ao profissional de saúde do SUS, da mesma forma que trará também um fortalecimento de proteção desses dados. A meta foi atingida em 2019? Não sabemos. Quando não há transparência no atingimento ou não das metas estabelecidas, não é possível cobrar a efetividade do planejamento.

No que se refere à responsabilização do agente, não há dados disponíveis quanto aos inquéritos, sindicância ou ações das corregedorias. Segundo o Sistema Integrado de Codificacão Institucional – SICI⁷ da prefeitura do Rio, há apenas quatro corregedorias implantadas: uma na guarda municipal; uma na Procuradoria-Geral do Município (PGM); uma na Controladoria-Geral do Município (CGM); e uma na Secretaria de Transportes. Se há punição de agentes públicos em qualquer dos níveis, não há como acompanhar. A sensação de impunidade pode ser tão nefasta quanto a própria corrupção.

Em relação à tecnologia e informação, a prefeitura do Rio de Janeiro possui diversos Sistemas Internos de controle de maior ou menor grau de interação. Nos últimos anos, houve um grande investimento na simplificação de licenciamentos de serviços e registro de solicitações pelo cidadão. Apesar desses esforços, é possível afirmar que grande parte da estrutura do executivo ainda trabalha de forma analógica, seja por ausência do processo eletrônico, seja por ausência de reformulação de normativos que exigem a presença física do cidadão.

Especificamente em relação ao processo eletrônico, talvez esse seja um dos maiores entraves na eficiência da administração. Não se trata de digitalizar papel de processo administrativo, mas de realizar gestão dos dados inseridos. Uma vez que a eficiência da inteligência artificial ou cruzamento de banco de dados necessita de informação na forma digital.

Por fim, no nosso ponto de vista, a participação cidadã na cidade do Rio de Janeiro é episódica e não uma política pública estimulada. Temos exemplos na administração de sua valorização, como na Controladoria-Geral do Município ou na Secretaria de Cultura, mas certamente não é a regra. Um exemplo episódico foi a construção do planejamento estratégico da cidade do Rio de Janeiro (2017/2020), que contou com reuniões abertas e recebimento de contribuições on line. Dessa experiência, só resta a lembrança. Não temos notícias sobre o acompanhamento das metas e nem dos resultados.

Conclusão

Como visto, haverá um grande esforço da cidade do Rio de Janeiro para a implantação do Governo Aberto. Entretanto, sair da zona de conforto analógica e fechada na própria administração é uma oportunidade para desenvolver uma gestão mais eficiente e democrática.

Apenas a título de reforço argumentativo, desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis integra o objetivo de desenvolvimento sustentável (ODS nº 16) da Organização das Nações Unidas (ONU), assim como garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis.

Por todos os benefícios trazidos pela implantação do Governo Aberto, defendemos que os candidatos a prefeito da cidade do Rio de Janeiro devem enfrentar o tema e se comprometer efetivamente (ou não, mas de forma declarada) com o objetivo de tornar a administração pública municipal mais transparente, participativa, responsiva, tecnológica e inovadora.

Sendo o compromisso do chefe do executivo certamente o primeiro passo necessário para a implantação da metodologia para o Governo Aberto na cidade carioca.



Tatiana Bastos é advogada e presidente do Instituto de Direito Coletivo – IDC.



* As opiniões expressas neste texto são de exclusiva responsabilidade do autor.
** Foto de Divulgação: Agence Olloweb/Unsplash

Notas de Rodapé
[1] Open Government Partnership – OGP é uma entidade não governamental, formada por representantes de governos e da sociedade com o objetivo de promover uma governança pública responsável, responsiva e inclusiva.
[2] Ver < https://governoaberto.cgu.gov.br/governo-aberto-no-brasil/o-que-e-governo-aberto> Acessado em 11/04/2020.
[3] Ver < https://www.opengovpartnership.org/about/> Acessado em 11/04/2020.
[4] Ver <http://www.rio.rj.gov.br/web/contasrio> Acessado em 12/04/2020.
[5] Ver <http://www.camara.rj.gov.br/controle_atividade_parlamentar.php?m1=legislacao&m2=leg_municipal&m3=leiord&url=http://mail.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/contlei.nsf/50ad008247b8f030032579ea0073d588/a2c82f8197a01f74832582d4005aa336?OpenDocument> Acessado em 12/04/2020.
[6] Ver <http://www.camara.rj.gov.br/controle_atividade_parlamentar.php?m1=legislacao&m2=leg_municipal&m3=leiord&url=http://mail.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/contlei.nsf/7cb7d306c2b748cb0325796000610ad8/c517254d3ea4c2ba83258440006dad41?OpenDocument> Acessado em 12/04/2020.
[7] Ver < http://sici.rio.rj.gov.br/PAG/principal.aspx>. Acessado em 12/04/2020.

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O Rio Invisível: Pessoas em situação de rua e o Programa Habitação Primeiro (Parte 2/2)

*Por Ana Luiza Pessanha e Larissa Montel

Segundo o Decreto nº 7.053, de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua, este grupo é definido como:

“grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.”

Com esta definição ampla, muito se é debatido sobre a quantidade de pessoas em situação de rua hoje no Brasil. Não existe um censo amplo que dê números concretos sobre essa parcela da população. As estimativas existentes apontam para mais de 100 mil pessoas nessa situação no país em 2016, enquanto levantamento da Defensoria Pública do Rio de Janeiro indica que para o município esse número correspondia a 15 mil pessoas, inferior apenas ao da cidade de São Paulo. Com o número de desempregados se mantendo acima de 11 milhões desde 2016, além de um cenário geral de precarização da vida, é perceptível o aumento daqueles que fazem da calçada um abrigo.

A população em situação de rua enfrenta uma série de desafios para além do desemprego, como a violência, negação de acesso a espaços, pertences furtados ou retirados à força por agentes públicos, saúde mental fragilizada e políticas restritivas em relação ao uso de álcool e drogas. As políticas públicas implementadas até o momento assumem em sua maioria um viés moralista e condenatório da situação de rua, não trabalhando as raízes do problema.

Os principais fatores de permanência na rua são a dependência química, uma falsa sensação de liberdade, questões de saúde mental (depressão, baixa autoestima, transtornos decorrentes do uso prolongado de álcool e outras drogas) e a falta de oportunidades de moradia e emprego. A maior parte das políticas públicas adotadas até o momento se mostram ineficazes por não levarem a globalidade e interseccionalidade desses fatores em conta. Os abrigos públicos e as casas terapêuticas trabalham com uma abordagem da abstinência para tratamento de dependência química, além das rígidas regras de convivência (horário para acordar, comer, dormir, etc). As políticas públicas de redução de danos, com implementação dos CAPS-AD e Consultórios na Rua focados em redução de danos têm tido um efeito positivo no tratamento da população em situação de rua dependente química.

O maior obstáculo se encontra nas políticas de moradia. Além de um direito humano, a casa é um elemento estabilizador, que abre espaço para que os demais fatores de ida e permanência nas ruas possa ser trabalhado. Hoje, as políticas de reinserção social para população em situação de rua adotam um modelo etapista, onde a casa seria a última conquista, o “prêmio final” após uma série de desafios vencidos. Essas políticas têm se mostrado ineficientes, porque as demais etapas trabalham em uma abordagem limitada, como apresentado acima.

Nesse contexto, surgiu o Programa Housing First (Habitação Primeiro, em português), um modelo focado em moradias individualizadas e serviços de suporte para a população em situação de rua. Seus resultados são comprovadamente eficientes nos países onde é política pública, tais como Espanha, Canadá, EUA, entre outros. Neste modelo, a moradia se torna um ponto de partida, e não o destino final. Seus elementos chave são: 1. O oferecimento de moradia em primeiro lugar e sem tempo determinado; 2. Moradias individualizadas e com o atendido fazendo parte do processo de escolha; 3. Variedade de serviços disponíveis (mas não obrigatórios) para aumentar o bem-estar individual; 4. Equipe de apoio para acompanhar a pessoa em sua reinserção; 5. Foco na autonomia do indivíduo.

O Projeto RUAS é uma ONG carioca que atua com o objetivo de demolir barreiras e gerar oportunidades para todos em situação de rua desde 2014. Seu fundador, Murillo Sabino, conheceu o Housing First em 2016, após passar um mês em imersão na ONG reStart, em Kansas City, como um resultado do prêmio YLAI (Young Leaders of the Americas Initiative). Nos últimos três anos, a organização tem investido seu tempo, equipe e recursos em aprender mais sobre o modelo e aplicá-lo no contexto brasileiro. Já foram 4 pilotos, 1 intercâmbio para a Espanha, diversas participações em eventos e muito estudo para a implementação.

O maior caso de sucesso hoje é o de Vera, que participou do Housing First – aqui adaptado para Habitação Primeiro – por meio de uma campanha de financiamento coletivo, “uma casa para Vera”. Após 2 anos, Vera permanece em sua casa, investindo em sua educação e trabalho. Nos últimos anos, o número de avaliações de impacto do programa Housing First tem aumentando de maneira relevante, principalmente nos EUA. Um dos maiores centros de pesquisa envolvidos em avaliações de políticas públicas, o JPAL, publicou recentemente uma síntese dos resultados de quarenta avaliações rigorosas de dezoito programas distintos relacionados à prevenção e redução de desabrigados na América do Norte. As principais evidências encontradas foram:

  1. Efeitos positivos de intervenções que fornecem variedade de serviços como assistência financeira, aconselhamento e apoio legal nas famílias com risco de perder suas casas, embora ainda seja necessário pesquisas mais profundas a respeito de melhor focalização.
  2. A representação legal de inquilinos que enfrentam despejo é promissora para melhorar os resultados relacionados aos tribunais e reduzir despejos, embora sejam necessárias mais pesquisas sobre quais tipos de táticas e programas legais são eficazes.
  3. Assistência financeira habitacional permanente aumenta a estabilidade da moradia para indivíduos com doença mental grave e para veteranos que enfrentaram desabrigo. Em relação a outros grupos de pessoas, as evidências ainda não limitadas e inconclusivas.
  4. Embora a recolocação habitacional rápida seja uma solução potencialmente custo-efetiva para fornecer acesso rápido à habitação, as evidências a respeito do impacto de tais políticas na estabilidade habitacional de longo prazo ainda são limitadas e inconclusivas.
  5. A assistência habitacional subsidiada a longo prazo, na forma de vouchers de moradia, ajuda as famílias de baixa renda a evitar a falta de moradia e a permanecerem estáveis.

Apesar de alguns resultados positivos apontados pelo estudo acima, pesquisas adicionais sobre a eficácia de outras estratégias para reduzir a falta de moradia ainda são necessárias, uma vez que há lacunas na literatura de avaliações de programas de prevenção ou assistência à população em situação de rua. Uma outra avaliação do Housing First está atualmente em andamento na cidade de Santa Clara, Califórnia.  Embora tenha uma das maiores rendas médias dos EUA, o município também possui a nona maior população em situação de rua do país e a maior população de pessoas que sofrem de falta de moradia que não ficam em abrigos. As barreiras enfrentadas pelos desabrigados na obtenção e manutenção de moradias têm se tornado mais difíceis, uma vez que as taxas de aluguel aumentaram em mais de 50% desde 2011.

Considerando tal cenário, está sendo implementado um programa de realojamento rápido, cujo critério de elegibilidade consiste em adultos solteiros que tenham pontuação intermediária em uma avaliação de vulnerabilidade. Após selecionados os participantes (chamado grupo de tratamento), a instituição responsável pela avaliação irá oferecer um subsídio progressivo de assistência de aluguel, a fim de facilitar a transição de cada pessoa de volta à habitação. Os participantes de recolocação rápida em geral serão alojados em 60 dias e essa assistência pode durar até dois anos. O programa custa cerca de US$ 15.000 ao ano por beneficiário, incluindo serviços de suporte e assistência de aluguel. O grupo de comparação (não tratados), por sua vez, receberão cuidados usuais, consistindo em abrigos de emergência, passes de ônibus, unidades móveis médicas e encaminhamentos para organizações comunitárias que fornecem programas de emprego, educação e bem-estar.

Os pesquisadores examinarão os dados do município quanto ao impacto do programa em quatro tipos de resultados: estabilidade da habitação, saúde, crime e benefícios públicos. Os indicadores usados ​​para medir a estabilidade da moradia incluirão a taxa de uso do serviço para pessoas em situação de rua, entrada e duração em abrigos, existência e permanência de um endereço formal e excesso de mudanças de moradia. Os indicadores de saúde incluirão qualquer hospitalização, além de consultas ambulatoriais e psiquiátricas. Os indicadores para os resultados do crime incluirão o número e o tipo de prisões e o número de dias passados ​​na prisão. Por fim, os indicadores de uso de benefícios públicos incluirão o recebimento de qualquer tipo de assistência pública e o total gasto em cada benefício.

Embora seja de extrema importância que os formuladores de políticas públicas acompanhem de perto essas avaliações de impacto mundo afora, é preciso ter cuidado com a chamada validade externa dos estudos, isto é, a capacidade que o pesquisador tem de generalizar os resultados de uma intervenção para outros contextos não necessariamente similares.

O déficit habitacional é um problema estrutural das sociedades atuais. Podemos encontrar pessoas vivendo nas ruas em praticamente todos os países do mundo. Por isso, não existem soluções simples ou caminhos únicos para resolver essa questão. Além das políticas de moradia, a existência de ações que trabalhem o cuidado do indivíduo de forma integral possui muitos benefícios. Caminhando ao lado das políticas de assistência social e saúde, projetos sociais e instituições do terceiro setor têm mostrado um impacto positivo na reinserção social da população em situação de rua.

O Projeto RUAS atua com atividades semanais de conexão da população em situação de rua e residentes dos bairros em seu entorno, por meio de rodas de conversa em praças públicas. Em suas ações, busca trabalhar em três níveis para gerar oportunidades a este público. Em uma esfera mais individual, atua no fortalecimento da autoestima e autonomia da população em situação de rua, por meio de atividades de informação e estímulo, conectando-os aos serviços existentes e promovendo espaços de escuta. Em uma esfera coletiva, proporciona um impacto nos residentes que participam como voluntários das atividades, quebrando estereótipos ligados à situação de rua, trazendo um novo olhar sobre a questão. Por fim, em um espaço mais estrutural, busca incidir na construção de políticas públicas efetivas para este público, participando de fóruns e colegiados de debate e construção política.

A interseção entre políticas paliativas e estruturais é fundamental para o desenho de uma política pública eficaz na redução do número de pessoas em situação de rua, tanto no curto como no longo prazo. Dessa forma, como próximo passo dessa série de textos, iremos analisar a evolução do orçamento da cidade do Rio dedicado a políticas para essa população e os tipos de medidas implementadas pelas administrações recentes. A partir desse diagnóstico, podemos avaliar os acertos e erros de políticas passadas e pensar novas formas de atuação, utilizando orçamento público e parcerias público-privadas. Sempre há espaço para pensarmos em políticas mais eficazes e eficientes, que considerem as diversas óticas desse problema social.



Ana Luiza Pessanha é membro da Iniciativa RioMais. Economista pela UFRJ com foco em Pobreza e Desigualdade, é criadora e coordenadora do Núcleo Executivo de Políticas Públicas do Movimento Acredito na cidade do Rio de Janeiro.


Larissa Montel é graduada em Relações Internacionais pela UNESP. Mestre em Políticas Públicas em Direitos Humanos pela UFRJ. Gestora Estratégica do Projeto RUAS. É também parte da coordenação do Fórum Permanente sobre população adulta em situação de rua do Rio de Janeiro.



* As opiniões expressas neste texto são de exclusiva responsabilidade do autor.
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