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Um diagnóstico das desigualdades entre escolas públicas no Rio de Janeiro

*Por Arthur Rodrigues

A educação é um dos principais instrumentos de combate ao ciclo intergeracional da pobreza. Um filho de pais na base da pirâmide social tem maior probabilidade de se tornar um adulto pobre, por dificuldade de acesso a bens como saúde, educação e, consequentemente, oportunidades no mercado de trabalho. No Brasil, um dos países com menor índice de mobilidade social do mundo, a situação é especialmente grave. Em média, descendentes de famílias entre os 10% mais pobres da população levariam 9 gerações para alcançar a renda média, contra apenas 2 gerações na Dinamarca e 4.5 na média entre os países da OCDE¹.

Nesse quadro, a educação pública é uma ferramenta poderosa para mitigar os efeitos da desigualdade de oportunidades e estimular o “elevador social”. No Rio de Janeiro, cidade em que desigualdade e segregação estão encravadas na própria ocupação territorial, é importante analisar se essa ferramenta está sendo utilizada de maneira eficiente e se de fato contribui para estimular a ascensão social.

Para tal, devemos analisar as 1540 escolas da rede municipal, 364 da rede estadual e 27 da rede federal na cidade do Rio de Janeiro observadas no mapa abaixo. Passe o mouse para saber o nome do colégio e clique para saber o nome do bairro.

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DESIGUALDADE DE RESULTADOS

SAEB

O SAEB é um teste administrado aos alunos da rede pública de forma bienal, avaliando alunos do 5º e 9º ano do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio nas disciplinas de português e matemática. Se observarmos a média da nota dos alunos nas provas, em conjunto com o índice de nível socioeconômico das escolas elaborado pelo INEP para 2015, podemos analisar a correlação entre essas duas variáveis para as diferentes redes de ensino, tendo em mente que a princípio a rede estadual não oferta ensino fundamental e a rede municipal não oferta ensino médio

O índice socioeconômico é elaborado a partir de questionário entre os alunos da escola e leva em consideração a renda familiar, a posse de bens e a contratação de serviços de empregados domésticos pela família dos estudantes, além do nível de escolaridade de seus pais ou responsáveis. Passe o mouse (ou clique, caso esteja visualizando por mobile) no gráfico para ver qual escola representa cada ponto e o valor do índice socioeconômico e da média da prova. Os pontos verdes representam escolas da rede municipal, os azuis da rede estadual e os vermelhos da rede federal.

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Os resultados da prova SAEB 2017 nos permitem observar desigualdades socioeconômicas no ensino público. O colégio com a melhor média na rede municipal, a Escola Roberto Burle Marx, é também a com o segundo maior nível socioeconômico dos alunos da rede. A federal com melhor média, o Colégio Pedro II do Humaitá, apresenta o quarto maior nível socioeconômico. Em média, um aumento de 10 pontos no nível socioeconômico da escola indica um aumento esperado de 29,7 pontos na média do SAEB. Também existe desigualdade entre as redes de ensino: mesmo que a escola com a melhor nota seja a escola municipal Roberto Burle Marx, escolas da rede federal obtiveram notas em média 36 pontos ou 16% maior do que as da rede municipal.

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Os resultados do 9º ano corroboram as afirmações anteriores. A escola Roberto Burle Marx apresenta a melhor nota e o maior nível socioeconômico da rede municipal, enquanto o Colégio Militar apresenta a melhor nota e o segundo maior nível socioeconômico da rede federal. As escolas da rede federal apresentam notas 53 pontos ou 20% maiores que a rede municipal, e um aumento de 10 pontos no nível socioeconômico da escola vem acompanhado de um aumento de, em média, 36 pontos na nota do SAEB. Mesmo com o ensino fundamental não sendo atribuição do estado, uma escola estadual realizou a prova do SAEB para o 9º ano, e obteve nota abaixo da média das redes municipal e federal.

ENEM

Para a avaliação do Ensino Médio, a nota do ENEM foi utilizada para comparação, visto que abrange um universo maior de escolas que a prova SAEB. As notas avaliadas são de 2015, último ano em que o INEP divulgou o resultado agregado por escola. Os pontos azuis representam escolas da rede estadual e os vermelhos da rede federal.

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A desigualdade entre redes observada para o ensino fundamental persiste para o ensino médio: as escolas da rede federal obtiveram uma média 127 pontos ou 25% maior do que as da rede estadual. A distinção entre escolas estaduais e federais é muito clara, tanto em termos de índice socioeconômico médio, quanto em termos de nota média do ENEM, com o Colégio de Aplicação da UERJ se comportando de maneira anômala em relação ao restante da rede estadual. Além disso, a diferença entre redes pode até mesmo ser subestimada, visto que a base de dados do ENEM não inclui as escolas em que menos de 50% dos alunos do terceiro ano fizeram a prova. Se os alunos decidem entre fazer ou não a prova de acordo com a expectativa de suas notas, a adição de escolas estaduais de baixa adesão ao ENEM aumentaria ainda mais a distorção entre redes. A desigualdade também se manifesta em termos socioeconômicos: um aumento de 10 pontos no índice socioeconômico está relacionado a um aumento de 111 pontos em média na nota do ENEM.

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Além disso, é importante ressaltar a concentração geográfica das 15 escolas com maior nota no ENEM. Dentre estas, apenas o Colégio Pedro II Unidade Realengo se situa na Zona Oeste da cidade, lar de mais de 2.3 milhões dos cerca de 6 milhões de cariocas.

DESIGUALDADE DE infraestrutura

Entretanto, a correlação entre nível socioeconômico das escolas e notas nas provas de avaliação não garante que os alunos ricos estejam frequentando escolas melhores. É possível que alunos ricos e pobres dentro da mesma escola alcancem resultados diferentes por fatores extraescolares: por exemplo, a família rica tem condições de pagar aulas de reforço escolar. Assim, é possível que todo o efeito de desigualdade se dê pela renda e não por diferenças na qualidade das escolas frequentadas, e uma alocação aleatória entre ricos e pobres dentro das escolas produza os resultados observados. Uma maneira de avaliar com mais profundidade essa hipótese é observando a desigualdade entre escolas não pelo resultado em provas, mas pela infraestrutura que ela oferece a seus alunos.

Para isso, é preciso estudar a pesquisa de infraestrutura das escolas realizada anualmente no âmbito do Censo Escolar. A partir da base de dados do Censo Escolar 2019, construiu-se um índice de infraestrutura para cada escola a partir da existência ou não dos seguintes equipamentos: elevador para alunos com mobilidade reduzida, laboratório de ciências, máquina copiadora, laboratório de informática, internet e rede por banda larga. Os seis equipamentos representam o mesmo peso na composição do índice. Assim, podemos comparar a infraestrutura que as escolas de diferentes redes fornecem para seus alunos, a das escolas frequentadas por alunos de diferentes níveis socioeconômicos e como as escolas com melhor infraestrutura se concentram geograficamente. A desigualdade entre redes pode ser observada no boxplot abaixo:

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Escolas de diferentes redes também apresentam, em média, diferenças significativas em sua infraestrutura. O índice médio de infraestrutura da rede federal foi de 0.94, valor 30% maior que o índice médio de 0.72 da rede estadual e 45% maior que o índice médio de 0.65 da rede municipal.

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Também é possível observar desigualdade de infraestrutura de caráter socioeconômico. As escolas pertencentes ao grupo socioeconômico² mais elevado apresentam índice de infraestrutura médio de 0.92, valor 179% maior que o índice médio de 0.33 das escolas que compõe o grupo de menor nível socioeconômico. Além disso, um salto entre os grupos de nível socioeconômico vem acompanhado de um aumento da média do índice de infraestrutura para todos os grupos observados.

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Por último, também é possível observar a distribuição geográfica da infraestrutura das escolas da rede pública do Rio de Janeiro a partir da média do índice de infraestrutura das escolas de cada região administrativa da cidade. Optou-se pela análise das regiões administrativas, visto que existem bairros da cidade sem nenhuma escola da rede pública. A região com melhor resultado é o Centro, com índice médio de 0.64. Nenhum subdistrito da Zona Oeste está presente entre os cinco melhores no índice.

CONCLUSÃO

Quando o carioca compara escolas públicas para matricular seus filhos, encontra um cenário de desigualdade socioeconômica, geográfica e entre as redes de ensino. Os recursos de infraestrutura parecem ser desproporcionalmente alocados para alunos de maior nível socioeconômico, com possíveis efeitos perversos sobre a mobilidade social na cidade. As escolas da rede pública com mais infraestrutura e com melhores notas em exames de avaliação são frequentadas por alunos com maior nível socioeconômico médio, têm maior probabilidade de pertencer à rede federal e estão concentradas fora da Zona Oeste.

É importante ressaltar que nenhum dos resultados obtidos nesse artigo indicam relação causal entre as variáveis observadas, e não levam necessariamente a prescrições de políticas públicas para mitigar o problema. Para isso, precisamos estudar mais a fundo como funciona a alocação de alunos em cada escola e tentar estimar como seria o desempenho de determinado aluno caso ele estudasse em uma escola com diferentes características. É o que será feito para a rede municipal em um texto futuro, que analisará como o município pode utilizar a sua rede de escolas para realizar políticas públicas que impulsionem a ascensão social.



Arthur Rodrigues é um dos idealizadores da Iniciativa RioMais. Formando em Economia pela UFRJ e certificado em Análise de Dados para Políticas Públicas pela Universidade de Chicago. Possui experiência profissional em consultoria estratégica de gestão pública e políticas públicas.



* As opiniões expressas neste texto são de exclusiva responsabilidade do autor.
** Foto de Divulgação: Educação e Ciência na Cidade do Rio de Janeiro/Wikipedia

*** Todos os mapas e gráficos foram elaborados pelo autor a partir das seguintes fontes: INEP (Censo Escolar 2019, ENEM por escola 2015, SAEB 2017, INSE 2015) e SIURB-RJ (geolocalização das Escolas Municipais, Escolas Estaduais e Escolas Federais)

Notas de Rodapé
[1] “A Broken Social Elevator? How to Promote Social Mobility” – OCDE 2018
[2] O INEP separa as escolas em 6 grupos socioeconômicos de acordo com o nível do INSE. No Rio de Janeiro, nenhuma das escolas da rede pública faz parte do grupo 1. Ver metodologia completa.